Os trabalhos assinados por Deyson Gilbert se caracterizam pela tensão física e formal a que costumam submeter, em sua relação com o espectador, dois ou mais elementos (objetos, signos gráficos etc.) – por meio de encaixes provisórios, pontos de apoio oscilantes ou montagens abertamente temerárias. De modo geral, seja pelas alarmantes estruturas com hastes pendentes ou em riste; seja pela presença física de maciças placas escuras; seja pela exibição de ferramentas pesadas e instrumentos de concussão; seja ainda pela carga semântica dos imbricados jogos conceituais de palavras, signos e imagens, essas obras se avultam sobre o observador como corpos instáveis, suspensos por um equilíbrio frágil – sempre prestes a se romper. Assim, coincidem no plano sensível a atrativa elegância formal, afeita ao design, desses objetos/instalações e a intimidadora ameaça que trazem consigo.

Na exposição Questão de Ordem, essa relação estrutural entre atração e ameaça, entre fruição e intimidação, é figurada de modo explícito em objetos, títulos e alusões a práticas do universo BDSM (bondage, dominação e sadomasoquismo). A onipresença desses elementos no espaço expositivo traça uma tipologia resumida do fetichismo sexual, astutamente aplicado à reflexão sobre a prática estética – o enquadramento ambíguo da relação dominação/submissão no âmbito da representação.

Embora taxativas, as regras, tanto do BDSM como da fruição artística, são instituídas previamente pelas partes envolvidas, em acordo mútuo, e envolvem o enquadramento ou cenário próprio para sua realização como tal. Ou antes, põem em jogo um sistema de cláusulas e leis – com preceitos organizativos, diretrizes e prescrições – que deve ser internalizado e administrado pelos participantes. Do ponto de vista da ordem, não importa que o conteúdo do novo sistema seja sacrílego (invertendo o conteúdo sacro-normativo do sexo baunilha), desde que opere normativamente.

Aliás, a injunção disciplinar da coordenação e do regramento à qual o prazer físico se encontra subordinado já aparece na descrição de Adorno para os times sexuais postos em ação na obra de Sade, “onde nenhum instante fica ocioso, nenhuma abertura do corpo é desdenhada, nenhuma função permanece inativa”. Esse credo funcionalista da razão administrativa na maximização dos resultados, bem como seu jugo sobre o aparato sensível, é atualizado e reiterado de modo cínico a cada compartilhamento daquele meme que diz: Se organizar direitinho todo mundo transa.

Assim como nos times esportivos, a ação dos corpos interessa em sua dimensão performática; as acrobacias e o asseio dos participantes denotam o caráter mais profundo (quer dizer, social) de seu fetichismo: o sujeito aparece como um ponto de convergência absoluta entre sua própria constituição positiva (por meio de sua ação sobre o objeto) e sua sujeição à norma (dentro da qual ele aparece como objeto). Administrativamente, a tangibilidade social do prazer é precipitada como adesão à ordem.

Imbrincado aos jogos linguísticos e à equivalência estrutural do intrincado formalismo que envolve as duas práticas (a da arte e a do BDSM), mas para além deles, o contraste cromático ascético das obras apresentadas em Questão de ordem, bem como o vazio inanimado de manequins e bustos escultóricos (o análogo invertido dos bots que animam as redes sociais), impõe àquela figuração do BDSM uma agressividade visual que reivindica o confronto imediato com o plano da conjuntura política. Neste plano, aquelas invectivas e diretivas coléricas (como a placa de identificação que ordena: dobre!), além dos desencaixes e mutilações precisos da matéria física das obras, deixam transparecer o espectro da violência que subjaz, sensivelmente, à ordem: o fetichismo (social) agora aparece como tortura, violência e, não menos importante, culpabilização.