A Vermelho apresenta, de 23 de abril a 25 de maio, Não pense em crise, trabalhe!, a terceira exposição individual de Guilherme Peters na galeria. Peters exibe novas aquarelas e instalações, e apresenta uma nova performance no dia da abertura da exposição.

Na Sala Antonio de projeção, a Vermelho exibe Le Retour des Sans-Culottes, filme iniciado por Peters em 2013 e atualizado até 2016 a partir de episódios políticos ocorridos no Brasil e no mundo durante esse período. O filme estreou em 2014, no Kunsthaus de Wisbade, na Alemanha, durante a exposição ‘The part that doesn't belong to you, Wiesbaden’, sob curadoria de Paulo Miyada. Le Retour des Sans-Culottes é exibido pela primeira vez no Brasil.

Em sua terceira exposição individual na Vermelho, Guilherme Peters trabalha em torno de episódios políticos ocorridos no Brasil a partir de 2013 e seus desdobramentos até a chegada ao governo federal dos presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro. Em um conjunto de 21 aquarelas, Peters combina fatos das duas administrações com ícones presentes em pinturas históricas de Jean Baptiste Debret, Théodore Géricault, Jacques-Louis David e Joseph Albers, além de fazer referência às primeiras representações da fauna e flora brasileiras feitas por pintores holandeses após a colonização do território. Episódios que alimentaram a polarização política enfrentada pela sociedade brasileira são combinados com as figuras históricas em um diálogo que ecoa a frase de Karl Marx "a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

As relações históricas com os mais recentes governos brasileiros, nas obras, também se dão com as duas ditaduras vividas no Brasil do século passado, a Era Vargas (1930-1945) e a Ditadura Militar do Brasil (1964-1985), além do escravismo implementado nos períodos Colonial (1500-1815) e Imperial (1822-1889) do Brasil. A primeira aparece apontada pela presença do personagem Zé Carioca, criado pelos Estúdios Disney em 1942, quando apareceu no filme de animação ‘Alô, Amigos”’. O papagaio antropomórfico representaria o “brasileiro típico” sob a ótica norte-americana: alegre, amigável, receptivo e esperto. O personagem, no contexto da Segunda Guerra Mundial, foi instrumental na política de “boa vizinhança” entre os governos de Getúlio Vargas e Franklin Roosevelt. Dos outros períodos vêm representações de procedimentos de tortura e punição física.

A interpretação de uma história cíclica, destaca declarações do atual presidente que demostram sua simpatia pela prática de tortura. Algumas práticas de obtenção de confissões por via da dor física ou psicológica empregadas durante a Ditadura Militar do Brasil e durante o escravismo aparecem representadas junto aos ícones históricos da arte, da política ou de representações de um Brasil de natureza exuberante. Algumas aquarelas trazem QR Codes em suas imagens, levando a conteúdo adicional online. A internet, e em especial os aplicativos para smart phones, foram veículo para as narrativas que permearam as últimas eleições para presidente no Brasil e, são para Peters, o terreno onde as obras se completam.

Além das conexões históricas presentes nas aquarelas, Guilherme Peters reflete a respeito do atrito atual entre os Três Poderes do Brasil em duas instalações. Na fachada da Vermelho, o artista apresenta Três poderes (2019), um desenho feito com arame farpado que sobrepõe três cubos vazados. Na sala 1 da galeria, Penalty (2019) propõe um possível jogo de futebol, com um gol pintado em cada parede da sala. A bola que fica disponível para os lances ao gol é, no entanto, feita de cimento maciço.

‘Negativo do ato’ (2019) se divide entre as salas 1 e 2 da galeria. A frase título da exposição foi gravada em uma placa de ferro, utilizando sua própria oxidação a partir de banhos de ácido. A placa foi, então, usada como matriz para estampar, também com a oxidação do ferro, uma tela de pintura com a frase espelhada. “Não pense em crise, trabalhe”, foi uma frase dita pelo presidente Michel temer ao assumir a presidência após o processo de impeachment que tirou Dilma Roussef do comando do executivo na metade de seu segundo mandato. Temer disse que viu a frase estampada em um outdoor em um posto de gasolina e considerou que o mantra ajudaria a reverter o “clima de crise” do país, assumindo-a como um slogan informal de seu governo. Um jornalista localizou o autor do outdoor preso no município de Guareí, no estado de São Paulo, por uma condenação de homicídio depois de atirar em um desafeto. João Mauro de Toledo Piza foi acusado, ainda, de vender combustível adulterado no posto de gasolina que inspirou o presidente.

‘Retrato do presidente’ se organiza como um exercício de desenho de modelo vivo: uma pessoa posa, outra a desenha. A pessoa que posa, segura um cassetete, veste um terno, a faixa presidencial brasileira e uma máscara de couro que restringe sua visão. O desenhista está na sua frente, sentado à uma mesa, com a mão que desenha atada a uma corda que passa por uma roldana e sustenta o peso de um capacete militar preenchido com cimento e veste uma máscara de couro com um microfone embutido, que capta e distorce o som da sua respiração. As duas mascaras estão presas por uma corda que passa por um sistema de roldanas que conecta uma pessoa a outra, fazendo com que o movimento de um influa no movimento do outro. Ao longo a ação a pessoa que é desenhada bate com o cassetete na mesa, podendo golpear a mão de quem desenha, que segue desenhando repetidamente quem a golpeia. Assim, os desenhos vão se deformando ao decorrer da ação, tanto pelo sistema de amarrações quanto pelos golpes sofridos na mão de quem desenha.

‘Le Retour des Sans-Culottes’ (2013-2016) se propõe a investigar o contexto político do Brasil e do mundo a partir de 2013, com base em movimentos populares que surgiram a partir desse período. O filme se apropria de representações do primeiro grupo de guerrilha urbana da história, os “sans-culotte”, que tiveram grande influência política durante a Revolução Francesa e que sucumbiram pelas mãos das próprias pessoas que apoiaram. ‘Le Retour des Sans-Culottes’ reflete sobre a ressignificação e apropriação de movimentos, símbolos e palavras de ordem, reproduzindo o processo de desestruturação das narrativas inerentes à própria democracia.

Com: Alexandre Correa Kissajikian, Eduardo Nince, Eduardo Correa Kissajikian, Felipe Galli, Guilherme Peters, Iason Pachos, Luisa Doria Kiddo, Matheus Wiggers, Pedro Catellani, Roberto Winter, Rodrigo Thenopholo, Ricardo Tuti // Operadores de câmera: Eduardo Correa Kissajikian, Iason Pachos, Cae Oliveira, Alexandre Correa Kissajikian // Tradução: Gabriela Felice Godói, Vinícius Girnys // Fotografia de Still: Cae Oliveira // Correções de cor: Bruno Shintate // Desenhos: Guilherme Peters // Figurino: Veridiana Piovezan, Ana Olyveira, Eduardo Rodrigues // Fotografia: Eduardo Correa Kissajikian // Roteiro, Edição e Direção: Guilherme Peters – 2013-2016

Guilherme Peters nasceu em São Paulo, em 1987. Vive e trabalha em São Paulo. Peters já teve seu trabalho exposto em instituições e exposições internacionais como Institute of Contemporary Art of Singapore (Singapura, 2019), Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre, Brasil, 2018), Instituto Tomie Ohtake (São Paulo, Brasil, 2018-2017), Museu de Arte Moderna de São Paulo [MAM SP] (São Paulo, Brasil, 2018), Do Disturb – Palais de Tokyo (Paris, França, 2018), XXXV Festival internacional do Uruguay - Cinemateca Uruguaya (Montevideo, Uruguai, 2017), Wiesbaden Kunsthaus (Wisbaden, Alemanha, 2014), Oi Futuro (Rio de Janeiro, Brasil, 2014), Museu de Arte do Rio [MAR] (Rio de Janeiro, Brasil, 2014), Zacheta National Gallery (Varsóvia, Polônia, 2013) 1a Bienal de Montevideo (Montevideo, Uruguai, 2012), Pinacoteca do Estado de São Paulo (São Paulo, Brasil, 2012), 17° Festival Internacional de Arte Contemporânea Videobrasil (São Paulo, Brasil, 2011) e 8ª Bienal do Mercosul (Porto Alegre, Brasil)

Peters recebeu os prêmios Especial do Juri, Prêmio Edt. De Montagem e Invenção e Prêmio ABD de melhor longa pelo filme Proxy Reverso (compartilhado com Roberto Winter), na VII Semana dos Realizadores (Rio de Janeiro, Brasil, 2015). Seu trabalho está presente na Coleção Figueiredo Ferraz (Ribeirão Preto, Brasil) e na Colección Konex (Buenos Aires, Agentina), entre outras.