Mendes Wood DM São Paulo tem o prazer em apresentar “BÚFALA”, primeira exposição individual de Rosana Paulino na galeria. A mostra reúne trabalhos recentes e outros antigos da artista paulistana em diversas mídias como desenho, tecidos e esculturas.

Paulino explora desde os anos 90 a historicidade da imagem e os efeitos de sua memória nas construções psicossociais, percorrendo assim diversas referências cruzadas entre a sua história pessoal e a história fenomenológica do Brasil tal como se constituiu no passado e existe hoje. Sua pesquisa compreende as construções de mitos como pilares não apenas estéticos mais influenciadores psíquicos, do lugar da mulher negra e além, do lugar da não-existência da sua imagem.

“Búfala”, série que leva o nome da exposição, constitui-se de um grupo de desenhos de mulheres-animais, em clara referência ao Orixá Oya, ou Iansã, conhecida no candomblé como a mãe do entardecer, que controla tempestades e os ventos, sem, entretanto, constituir uma ilustração mas um refletir sobre as forças arquetípicas regidas por este Orixá. Em uma das muitas versões da história, o Orixá Ogum que nomeia Oya como Iansã, enquanto caçava na floresta, se depara com um búfalo que o cruza com muita rapidez e força. Ao seguir o animal, Ogum o observa à distância e assim assiste ao animal se transformar em uma mulher linda. A mulher fez uma bolsa com a pele e assim guardou seu chifre. Iansã era a mulher-animal. Essa imagem é representada nos desenhos da artista como mulheres sexuais, espertas, fortes, com os olhos de sangue e bocas bem marcadas com línguas de fora referindo-se também há outro arquétipo não-branco, a deusa Kali, do hinduísmo, responsável pela destruição e renascimento, que vai à guerra em pé de igualdade. Esse arquétipo é para além do aspecto animal, um arquétipo de liberdade, em contrapartida à uma imagem achatada da mulher ocidental, que não pode revelar facetas variantes da sua personalidade, sendo virgem ou prostituta, santa ou bruxa. Búfala é a ideia de uma mulher que não se constrói nos limites ocidentais.

Outro grupo de desenhos apresenta “mulheres-vegetais” com raízes saindo dos seios, vagina, boca, mãos, elas fecundam a vida e espalham plantas. Essa ideia de origem da vida também sugere uma outra construção da imagem da mulher, a que se encontra na função de materializar as coisas enquanto a Búfala “caça” as coisas ao redor.

Os mitos têm a característica de não serem história de uma versão só, variam de acordo com o contexto a ser narrado, é uma construção narrativa estética que reflete as necessidades humanas em se representar em narrativas morais para tentar compreender suas naturezas psicológicas. Paulino projeta mitos não-cristãos e clássicos no exercício de ativar uma memória preocupada com o silêncio, marginalização e dominação na história das mulheres.

A construção iconográfica do Brasil colonial é também apresentada na série de tecidos impressos com imagens de azulejos portugueses, mulheres sem rosto e cachos de banana com o nome científico da banana da terra, Musa Paradisíaca. Paulino provoca essa ironia da fruta fálica com o seu nome feminino, esse estranhamento estético se costurando no trabalho têxtil da artista, essa dúbia ideia entre imagem e história.

Feitas em barro, pequenas esculturas de “mulheres-soldado” e “operárias” se instalam no centro da sala principal da exposição. Essas figuras barrocas com vários seios e fios de tecido emaranhando-as umas às outras são um exército de mulheres bem diferente das deusas gregas ou santas virgens de outros períodos, elas exalam sexualidade, mas de uma maneira completamente oposta ao que se espera da sexualidade feminina, são violentas mas sarcásticas, e sugerem uma força inquestionável, mesmo em pequena escala e talvez com esse propósito, a instalação estabelece uma força originada na união mas também no reconhecimento dessa imagem provocada pela artista.

Rosana Paulino estabeleceu ao longo de sua carreira inquestionavelmente fundamental para a produção artística brasileira um exercício de re-construção da imagem, mas para além disso, re-construção da memória e as suas mitologias, reflexões e desdobramentos. Por muitos anos como professora de desenho, a artista nos entrega não só nessa mídia, mas em outras diversas, um corpo de trabalho que reúne figuras femininas, e seus respectivos elementos históricos sustentados pelos seus traços psíquicos mapeando as estruturas coloniais e seus reflexos no tecido social e estético do nosso tempo.

Rosana Paulino (São Paulo, 1967) vive e trabalha em São Paulo. Suas obras participaram das recentes exposições: Rosana Paulino – A costura da memória, Pinacoteca de São Paulo, São Paulo, Brasil (2018); Atlântico Vermelho, Padrão dos Descobrimentos, Lisboa, Portugal (2017); South: Let Me Begin Again, Goodman Gallery Cape Town, Africa Do Sul (2017); La Corteza Del Alma, Galeria Fernando Pradilla, Madri, Espanha (2016); Territórios: Artistas afrodescendentes no acervo da Pinacoteca, Pinacoteca de São Paulo, São Paulo, Brasil (2015); Mulheres Negras – Obscure Beuaté Du Brésil. Espace Culturel Fort Griffon À Besançon, Besançon, França (2014).