Há coerência em sua obra dos primeiros trabalhos aos mais recentes. Marcia Pastore engendra formas escultóricas e instalativas dotadas de compreensibilidade e de autonomia próprias, como atos puros de invenção. A articidade, por sua vez, está na escolha dos materiais e articulações desses no espaço que lhe é dado. Trabalha com a fisicidade dos materiais, dos mecanismos, das forças energéticas, do peso, do equilíbrio, do obstáculo e das linhas visíveis e invisíveis resultantes dessas forças. O vazio do campo é preenchido por essas linhas e energias que cria, fazendo reviver a experiência do fruidor nas suas arapucas espaciais. É assim que executa a obra.

Essa execução é um tentar, um proceder e um planejar mental. É sua forma peculiar de pensar e fazer arte. Não esboça sobre uma folha de papel a ideia física. Essa fica no plano mental e é executada em tempo real no espaço. Pode dar certo como pode não dar. A artista vai para o campo com suas ideias e para executá-las debruça-se sobre os materiais e as articula, cria engrenagens, tensões e distensões espaciais. É um corpo a corpo que pode tornar-se um embate exaustivo, tamanha a fisicalidade, movimentos espaciais, peso dessas articulações e esforço físico desprendido nas ações. Os trabalhos tornam-se pacientes interrogações da matéria, é o que deixa entrever.

Pedras, pó de gesso, gesso endurecido, cabos, roldanas, materiais inusitados como a rede de pescar. Física, energia, linhas, formas e desformas, água, vidro, cabos, anzóis, grafite, metais, pesos de halterofilistas, e assim por diante, em uma diversidade calculada dos materiais, elementos e forças que formam sua obra. Forças que desenham, claramente, o espaço. De alguma maneira, tenta evitar as evidências dos corpos.

Forças concêntricas, pendulares, de tensão e de equilíbrio ao buscar a estabilidade no vazio a ser preenchido por essas linhas de força. É sua forma de construção ao inventar desenhos espaciais que criam centros, perspectivas e preenchem todo o espaço expositivo.

As esculturas, se é que poderíamos chamar de esculturas pensando nos cânones dessa linguagem, na sua apresentação clássica e moderna, monolíticas, simulam forças sobre si mesmas. Pode ser uma roldana, um pêndulo com uma pedra cortada toscamente. Uma pedra cavada da parede, uma rede de pesca prendida nas paredes da sala e esticada ao ponto de criar um desenho aéreo delicado nessa tensão exercida sobre a matéria esbranquiçada e translúcida. Um processo formativo da escultura de aproximações e retornos, de puxar e distender, de cruzar e tensionar até virarem armadilhas concretas e abstraídas de sentido, obrigando quem as observa a desviar da natureza dessas coisas no ambiente real, criado pela artista.

Não é escultura como monólito esculpido… Também não pensa a escultura como uma pintura, representando um corpo (humano, animal ou vegetal). São esculturas de superfícies, de movimento, de articulações, das engrenagens dos mecanismos, de organicidade controlada e das relações de corpos no espaço arquitetônico.

Equilíbrio e estabilização no espaço atravessados por linhas motrizes. O vazio do espaço da sala expositiva ou o espaço arquitetônico são preenchidos por essas forças concêntricas, pendulares e gravitacionais que formam linhas que desenham no espaço. Traços visíveis e traços invisíveis da relação entre os corpos e linhas que descrevem e preenchem pacientemente o espaço.

O vídeo da ação, as fotos still do vídeo são como imagens das ações gravadas no tempo. Gravuras que carimbam o espaço aéreo e a camada de gesso acumulada no chão. A cena montada vira paisagem cósmica no vídeo-ação. Imagens congeladas transformam–se em uma quase figuração de galáxia no simples gesto de jogar bolas coloridas e espirrar o pó branco do gesso. Traz cor para a exposição e deixa a obra aberta para a incorporação do outro.

Os trabalhos são interrogações dos materiais e suas forças que evitam a figuração. Apenas índices abstratos da fisicalidade e do real e do irreal. Não há interpretação definitiva e exclusiva, não há também interpretação provisória e aproximativa. Não há narrativas.

É a pessoa que observa quem faz o acesso à obra, revelando a sua natureza e exprimindo a si mesma. Torna-se ao mesmo tempo, diríamos, a obra e o seu modo de ver a obra (Umberto Eco), nas articulações e desarticulações dos objetos e das linhas no espaço da exposição. A obra mostra-se como modo de pensar.