Grupo de artistas na cidade do Rio de Janeiro luta para proteger a frágil, vertiginosa democracia brasileira através da arte de rua chamada lambe-lambe.

O Tupinambá Lambido deu uma pausa para conversar sobre arte, liberdade e democracia conosco.

O que é Tupinambá Lambido?

O Tupinambá Lambido é o nome de um grupo de artistas cariocas que trabalham com cartazes de rua ou lambe-lambe (wheatpast posters) de rua, cujas temáticas são essencialmente políticas.

Quando e como surgiu a idéia?

Quando da deposição da Presidente Dilma percebemos que a situação política merecia uma resposta dos artistas à altura dos acontecimentos. A arte precisava sair das galerias e museus, onde o alcance é limitado, e ir para as ruas.

Por que o “anonimato”? O Tupinambá Lambido poderia ser um “Banksy” tupinambá?

Porque no Brasil a censura começa a voltar pouco à pouco. E o uso que fazemos dos espaços urbanos é ilegal. Bansky é muito bom, e toda arte boa tem algo de político, ainda que seja a nível da educação do olhar. Mas no nosso caso, trata-se de uma crítica mais incisiva sobre a necropolítica reinante.

Artes de rua sempre foram formas democráticas de manifestações de ativismo cultural e político. Como a atual situação do Brasil contribui e inspira o Tupinambá Lambido?

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. E o neocapitalismo brasileiro é muito cruel, ao ponto do Estado se preocupar cada vez menos com as pessoas mais necessitadas e desassistidas. Depois do golpe que depôs Dilma Rousseff, o Estado passou a cortar verbas da educação, da saúde, dos direitos sociais, a fazer reformas que acabassem com os direitos trabalhistas e previdenciários conquistados desde os anos 40. Nesse sentido, era preciso fazer uma arte comprometida com a educação, a saúde, o trabalhador, a mulher, o preto, o índio, ou suma, as condições do trabalho e das minorias.

Qual é a principal fonte de inspiração do Tupinambá Lambido?

Na verdade, somos vários artistas, portanto nossas fontes são distintas, até porque somos de gerações distintas. Mas o ativismo contemporâneo nos inspira, e sobretudo pela arte brasileira moderna e contemporânea. Mas no caso dos cartazes ou lambes, percebemos que havia uma tendência comum de nos apropriarmos de imagens e símbolos utilizados pelo Estado, pela imprensa, pelo sistema capitalista, que são imagens e símbolos que precisávamos combater. Portanto nos apropriamos deles de modo crítico, um misto de antropofagismo (tal como existiu entre os modernistas e os tropicalistas), e algo que podemos chamar de mídia tática.

O ativismo do Tupinambá Lambido pode ser visto em outras cidades do Brasil ou apenas no Rio de Janeiro? Há alguma idéia de expandí-lo para outras capitais?

A medida que nossas ações passaram a se tornar mais conhecidas, obtivemos o apoio de colecionadores de arte que nos permitiu pensar em intervir em outras capitais, a começar por São Paulo, que é uma cidade muito grande e influente. De modo que essa ação terá provavelmente um desdobramento em São Paulo.

O que mudou desde o governo Dilma até o atual e como isso influência o ativismo cultural e crítico do Tupinambá Lambido?

O que mudou é que esses governos, sobretudo o de Bolsonaro, é muito ligado com a polícia, e mesmo as milícias, em especial no Rio de Janeiro. Portanto, intervir nas ruas do Rio nesse momento comporta muitos riscos.

Como o Tupinambá Lambido escolhe os locais para “expôr” o trabalho ao público?

Geralmente escolhemos entre os diversos pontos de colagens de campanhas publicitárias espalhados pela cidade e os ocupamos.

Geralmente o lambe-lambe é permitido no Rio em tapumes e certos muros. E há nessa cidade uma tradição de se usar o lambe-lambe para propaganda de shows e peças de teatro. Habitualmente colamos nos bairros da zona norte, oeste, sul e centro.

Cores sub-postas, fontes de letras formando novas palavras como O Golpe (O Globo), Satan (Santander), são alguns exemplos das “provocações” artísticas do Tupinambá Lambido, como vocês fazem essa “reciclagem” poética e estética? Como é o processo de criação do Tupinambá Lambido?

Como dissemos acima, nos apropriamos dos símbolos, logos e imagens das instituições de poder para fazer com que seus símbolos se voltem contra eles de forma crítica. A Globo, os bancos, o capital financeiro, isto é, o mercado, foram alguns dos principais atores do golpe de deposição de Dilma. Portanto, nada melhor do que fazer com que o tiro saia pela culatra. Diziam que com Bolsonaro e Guedes, a bolsa subiria a 400 mil pontos. De Dilma para cá, a bolsa só caiu. Nossa moeda e nossas reservas foram desvalorizadas. A dívida só aumentou. Mesmo o fantasma da inflação ameaça voltar. É o caos institucional e financeiro.

O Tupinambá Lambido sempre será oposição ou não, em relação aos governos?

Depende do governo. Nós podemos ser críticos contra alguns governos progressivos, mas há uma diferença muito grande entre governos que promovem um retrocesso como esse que estamos vivendo nesse momento no Brasil. Não apenas há uma guerra cultural em curso - contra educação, contra as universidades, contra a ciência, contra o meio ambiente -, mas sobretudo uma constante ameaça de volta de uma ditadura militar. Afinal, mais da metade dos ministérios do governo de Jair Bolsonaro são ocupados por militares.

Qual é o legado social e artístico que o Tupinambá Lambido gostaria de deixar para a sociedade?

O legado é que a arte não se restringe às galerias e museus, que a arte pode sim ser luta e resistência, que a arte pode ser feita com pouco dinheiro, com meios bastante simples.

O que podemos aguardar do Tupinambá Lambido em relação as próximas eleições?

Não somos ligados a nenhum partido em particular e nossas campanhas são em geral feitas fora dos períodos de eleição.

Somos de esquerda, progressistas, somos por uma política de gênero e identitária, mas essas palavras andam muito desgastadas para dar conta do que pensamos sobre arte e política.

Talvez a que melhor se enquadra seria dizer que somos contra qualquer forma de autoritarismo, de repressão e de censura. Somos, sobretudo, contra a necropolítica e o neocapitalismo por fomentarem mais desigualdade e violência e ataques ao meio ambiente, às mulheres, aos negros, aos índios.

Somos veementemente contra essas novas formas precarizada de trabalho. O Brasil é um país imenso, riquíssimo, não há nenhuma razão para que seu povo, que é tão trabalhador, passe fome, não tenha acesso a educação e saúde. Se o Brasil soubesse explorar a floresta amazônica de forma consciente e auto-sustentável, não apenas mais pessoas teriam emprego, como ganharíamos muito mais dinheiro sem destruí-la.

O negacionismo e essa falta de visão das coisas nos envergonham.