A primavera é quando ninguém mais espera.
E desespera tudo em flor.
A primavera é quando ninguém acredita.
E ressuscita por amor (…)

(José Miguel Wisnik)

O artista pede-me um texto para acompanhar o trabalho que produziu durante a quarentena.

Não é um trabalho, fruto do excesso de tempo, que levou muitos a buscarem ocupações outras. O artista era artista antes, e o foi durante o período em que estivemos confinados, separados uns dos outros, enfrentando, muitas vezes, apenas a nós mesmos numa grande solidão.

O inverno findava e a primavera chegou intramuros – vimos florescer, ao longe, dias e noites que deixaram de nos pertencer. Passeios vigiados, contidos. Encontros e abraços interditados, museus e galerias de portas fechadas e a arte a tentar exibir-se pelos ecrãs - distante, virtual, sem textura ou cheiro: sem presença.

Quando vi as obras, mesmo através do ecrã, consegui sentir entre os meus dedos a aspereza, as reentrâncias, os relevo das peças; as composições que se expandem de um quadro a outro, que se repetem, às vezes, que dialogam entre si, como se quisessem assim preencher o espaço entre as pessoas, entre as linguagens, o espaço que exige novos códigos e comportamentos: onde havia proximidade hoje impera o distanciamento social.

As obras de Rúben Gonçalves, feitas para esta exposição e durante o confinamento, versam sobre a ideia de estarmos encerrados e provocaram em mim um grande impacto. Bloom fala-nos, daquele jeito que só poucas obras nos costumam falar, da primavera não desfrutada, que floresceu fora, mas também dentro de nós – as flores brotaram apesar de e por causa do isolamento, do momento em que fomos obrigados a ficar em nós, em nossos pequenos, ou grandes mundos/casas/lugares.

Conspicio, do latim «compreender», mas também «enfrentar, mirar», conjuga uma rima plástica com Bloom e dá o mote da exposição, composta por obras com títulos que evocam a experiência de estar confinado, longe da luz, a enfrentar as memórias e a absorver as distâncias que se converteram, de um dia para o outro, em intransponíveis. Rúben Gonçalves convoca a memória e percorremos com ele, obra a obra, um caminho que nos leva da escuridão à luz e nos traz de volta ao princípio, onde floresce a arte.

O artista pede-me um texto que ilumine o seu trabalho, que o traduza numa linguagem verbal, porque as imagens falam, mas nem todos conseguimos compreender. A única maneira de percebê-la é ultrapassar a distância que nos separa, é ir ao seu encontro. É mirá-la e deixar que a obra, por sua vez, olhe de volta para cada um de nós.