Quando Kandinsky ouviu a Lohengrin de Wagner no Teatro Real de Moscovo teve, pela primeira vez, a vivência concreta da sinestesia, seja, percebeu claramente a identificação sensorial entre sons e cores, entre música e pintura. Aconteceu com Kandinsky, não sei se também não terá acontecido com Mondrian ou Malevich e, sobretudo, com Helder Bandarra.

Observo uma tela deste último e sinto que qualquer cor específica desperta a sensação de uma nota musical. Há uma correspondência tão precisa entre a capacidade cromática e a sonora, que aquela pode ser escrita na pauta e esta pintada na tela. Refiro-me à musicalidade de uma arte que, banindo a obrigatoriedade de representação do real, demanda, de forma consistente e lógica, uma via analítica das relações do ser humano com o mundo real. Este abandono do objecto traduz a busca da essência que a aparência oculta, usando a forma e a cor abstractas para ostentar necessidades interiores. Daí que a linguagem musical não resulte de mera casualidade, antes da intencionalidade de procurar o ritmo e a tonalidade nas suas formas mais puras. Tenho, por outro lado, a convicção de que a validade estética também pode estar na abstracção enquanto visão profética da espiritualidade.

Destarte a este quadro reveste-se de uma conotação messiânica, reveladora dos novos parâmetros da vida espiritual. Helder Bandarra procura, no elemento artístico puro e eterno que é a arte, tesouros insondáveis de redenção. A arte é assim elemento salvífico porque produto elevado do espírito. O gesto criativo, como outrora o do grupo do Cavaleiro Azul, não resulta do prolongamento da mão na tela, outrossim das suas convicções místicas configuradas na emancipação das cores e das formas perfeitas reveladoras da espiritualidade que as motivou.

Worringer defendeu que a arte abstracta tem a sua génese na análise do confronto entre a experiência humana e o mundo natural. Helder Bandarra assim o demonstra exibindo, na poética que esta tela ostenta, quer a tranquilidade dos recursos vitais, quer a apreensão, o temor, o pânico que podem sacudir o ser humano. Afastando-se do mundo natural, pode negá-lo via abstracção rumo à espiritualidade.

Olhar esta obra de Helder Bandarra é, por si só, convocação de nomes como Arshile Gorki, Mark Rothko, Robert Motherwell ou Jackson Pollok, é entrar no mundo do expressionismo abstracto valorizado por críticos como Greenberg e Rosenberg. Abandonando a ideia de arte como imitação, o artista expressa as suas emoções íntimas alheio aos princípios lógicos do design do abstracionismo pré-guerra. Persegue a linha do colour field, erigindo cores contrastantes, texturas e sobreposições de camadas geradoras de profundidade, de movimento pulsátil e da já referida musicalidade.

Meditando na severa, intransigente, mas extraordinariamente confiante mensagem artística, ouço com nitidez os acordes de Schoenberg. _Pierrot Lunaire _(1912) – narrador e orquestra de câmara. Sons e cores, música e pintura: o êxtase da emoção estética.