“Pensé en un laberinto de laberintos, en un sinuoso laberinto creciente que abarcara el pasado y el porvenir y que implicara de algún modo los astros”. - Jorge Luís Borges

O percurso do artista Nuno Viegas começou nas ruas da sua cidade natal, Quarteira, no Algarve, Portugal. A Arte Urbana, sobretudo o Graffiti, é uma influência ainda visível na sua obra contemporaneamente. Após acabar a licenciatura em Artes Visuais na Universidade do Algarve, ele decidiu continuar o seu percurso como artista e investigador avançando para um mestrado que culminou numa exposição que ele intitulou, ironicamente, Privado. O que, a partida, parecia uma negação às raízes da sua arte, reconhecidamente pública tornou-se, nesta exposição, um gesto estudado de desvendamento. Nuno Viegas revela o outro lado das ruas, não apenas as reais, palmilháveis, por onde circulamos quotidianamente, mas as virtuais que se configuram como infovias e que nos conectam ao mundo todo sem que tenhamos de sair de casa.

Através de suportes diversos, o artista trata no fundo de uma questão: o limite entre o público e o privado. Entre aquilo que se revela e aquilo que se oculta. Na arte, este limite é estabelecido de formas variadas, por exemplo, a moldura dos quadros ou o ecrã funcionam como a zona de corte, o lugar exato em que o artista permite que se entre na sua obra. O resto fica de fora. Os trabalhos de Nuno Viegas são janelas fechadas sobre si mesmas. Revelam apenas vislumbres daquilo que poderia estar do lado de dentro. Como a janela pintada de preto de Marcel Duchamp que assume que a arte não está limitada ao enquadramento mas que pode ser, ela mesma, um enquadramento, suas obras mostram o que não está lá. Porque as ruas, e o mundo que elas constituem, já estão superpovoados de imagens e mensagens que provocam um estado de cegueira – não vemos de tanto ver.

Estamos na era da superinformação. Um tempo que corrobora as palavras de Santo Agostinho: “Apesar do homem se inquietar em vão ele caminha na imagem”. Caminhamos nas imagens que nos rodeiam quotidianamente e somos também convertidos em imagem, através das câmaras de videovigilância que se espalham por todos os lugares. Torna-se cada dia mais difícil traçar uma linha divisória entre o espaço público e o privado, já que a nossa imagem, a partida um bem privado, torna-se pública e pode ser captada mesmo quando não estamos à espera. O trabalho de Nuno Viegas incide sobre uma questão premente na contemporaneidade: como é que os artistas são afetados pela acelerada produção e difusão de imagens e como é que as imagens produzidas por estes dispositivos, caso das câmaras de videovigilância, podem ser usadas num contexto artístico.

Privado foi, ao mesmo tempo, uma exposição e um projeto de investigação que fez parte das preocupações do artista desde que concluiu a sua licenciatura. Nuno Viegas questiona, com o seu trabalho, o papel da imagem na vida quotidiana, a banalização dos corpos - pela presença constante das câmaras e o direito à imagem privada que nos é roubado cada vez que saímos à rua. Por outro lado, utiliza como recurso estético as imagens que são produzidas por estes dispositivos de videovigilância, subvertendo a própria lógica destas imagens que não são produzidas para serem exibidas e muito menos para serem exibidas como arte.

A contemporaneidade é marcada pelo excesso de exposição, de produção de distribuição de imagens e de significações. Os pensadores da pós-modernidade sustentam que a época em que estamos deixou a humanidade numa grande encruzilhada, cada dia mais presa ao “tédio radical”. Cada vez mais a angústia do vazio absoluto se instaura, e as pessoas, perdem, paulatinamente, os seus referenciais e o contato pleno com a realidade, criando assim os seus próprios labirintos. As cidades foram convertidas em labirintos híper vigiados - ninguém está a salvo do controle do olhar. O panótico de Foucault reaparece como o modelo da sociedade em que vivemos: uma construção de onde podemos divisar todo o resto a partir do centro. É este modelo panótico e vigiado que a obra de Nuno Viegas questiona. Não apenas através de metáforas, mas, de maneira ousada, através da criação de dispositivos que simulam, e evidenciam, a nossa situação. A arte, neste caso, é um instrumento contundente e perturbador que põe em causa o processo de “naturalização” dos dispositivos de vigilância e questiona, ainda, a legitimidade da arte que se apodera dos mesmos dispositivos e os converte em novas formas artísticas.