As normas societárias iniciadas na família, ampliadas pela escola, ratificadas pelas comunidades e grupos de atuação exigem adaptação, que é, normalmente, transformada em sinal de obediência, submissão ou revolta. O ser humano está sempre diante de alguém - do outro - e é exatamente esta relação que o estrutura como humano, que o faz se sentir aceito, humanizado ou é através desta relação que se coisifica, se posiciona, criando imobilidade.

Cria monotonia ser marcado pelo rítmo aceita/não aceita, conforma-se/rebela-se. É equivalente à escuta do som de um pingo d’água que repetidamente cai de uma torneira. Interromper o movimento compassado é também privar-se de um processo ritmado, calculado e controlado.

Nestes processos de adaptação, vencer etapas, quebrar obstáculos possibilita vitórias e fracassos. Os rítmos são ampliados, variações melódicas surgem, embora sempre previsíveis. Acertar o passo, não sair do compasso, se impõe. O sobrevivente sente-se vitorioso, cada passo em falso, cada erro é também uma referência, uma marca, uma sinalização para o caminho de acerto. Neste processo, deslocamentos aparecem: para ele não basta mudar a si mesmo ou ao outro, também paisagens e ambientes têm que ser reconfigurados. Dominando regras, preocupando-se com acertos e erros, o indivíduo percebe-se isolado, preso à manutenção de esquemas e a constantes sonhos de realização. A vida é constância e monotonia que nada definem além da manutenção do controle.

Deste modo, certeza, confiança, autonomia e perspectivas desaparecem. Sozinho, o indivíduo torna-se a própria pontualização de suas fragmentações. Quando ele considera suas vivências boas e satisfatórias, ele sente necessidade de compartilhá-las, mas, esta mesma necessidade do outro, destrói o que ele busca, o outro, que é então, transformado em um receptáculo das informações. Quando suas vivências são consideradas ruins, negativas, ele tenta escondê-las. Permanece dando voltas em torno de si mesmo, nada acontece além do isolamento e solidão, que se caracteriza por exibição de deslocamentos e frustrações, tanto quanto por apologia e estabelecimento de regras controladoras.

Balizado pela opinião dos outros acerca de si mesmo, perde toda e qualquer condição de entender quem é, o que faz, o que sente, o que o motiva. Este autorreferenciamento é o início do enlouquecimento. Crises, surtos, depressões surgem quando ocorrem inserções de outros parâmetros impossíveis de serem absorvidos no isolamento; a crise é a impotência gerada pela necessidade e incapacidade de quebrar o processo anterior de adaptação monocórdica, de submissão concedida a divisões conflitantes. Se instala a alienação, a desorientação total. Neste momento, geralmente, surge socorro ao enlouquecimento e não ao ser humano que enlouquece.

As circunstâncias, aderências e sintomas estabelecem o processo considerado loucura e a partir disto tenta-se libertar o indivíduo desta situação, esquecendo que em toda doença tem um doente e que a tipificação desconfigura o sujeito ao criar seu personagem: o enlouquecido. Nesta visão, não existe um sujeito doente, existe um objeto - a doença - a ser modificado, manietado. A medicalização, a socialização, tanto quanto as explicações religiosas e fatalistas, são maneiras de apoderar-se do desespero humano a fim de transformá-lo em algo não perigoso, útil e adaptável. São novas torneiras, com rítmos mais amplos, atingindo universos mais significativos e transtornantes.

É necessário evitar esta beira de abismo - o enlouquecimento - pois a partir dela, desta margem, os retornos são cada vez mais difíceis, aderentes e esvaziadores. A questão não é tratar o enlouquecimento, é evitá-lo. Para isto, sair dos padrões impostos é fundamental. Ter processos ritmados é sempre resultante da quebra de totalidades significativas do estar no mundo, ou seja, da presença do outro ser transformada e substituida por senhas de acolhimento ou rejeição, sinais de aprovação e reprovação, consequentemente, parcializações desvitalizadoras. A reestruturação dos processos que permitem a percepção do outro, quando iniciados, possibilitam a quebra dos rítmos enlouquecedores, das distorções perceptivas e reintegram o indivíduo; estas situações são encontradas nas psicoterapias, tanto quanto nos relacionamentos caracterizados por disponibilidade e aceitação. Caso contrário, a continuidade de crises, surtos e depressões levam a ancoradouros flutuantes: vícios, dependências medicamentosas e constantes sobressaltos representados por medo, pânico diante do que é esperado e inesperado. É fundamental ser o que se é: uma possibilidade de relacionamento e não uma necessidade de relacionamento. Ser não é parecer. Relacionar-se não é submeter-se.