O “bom emprego”

O “bom emprego” é exatamente o que se espera que aconteça após a “boa universidade”. E a boa universidade é aquela instituição ao redor da qual orbita uma quantidade gigantesca de vaidade, mas cujo conteúdo e práticas raramente correspondem à toda a idolatria ao seu redor.

As instituições de ensino (em todos os níveis), na maior parte do mundo, sofrem de graus abismais de obsolência, principalmente no campo das ciências humanas. As ciências naturais e tecnológicas ainda parecem mover-se um pouco mais de acordo com as necessidades reais do mundo à nossa volta (embora, devemos ressaltar, que apenas através da pesquisa de ponta nas grandes universidades sem ânimo de lucro). Por outro lado, as ciências humanas, além de sucateadas, estão amplamente estagnadas, por vezes detidas nas mãos de professores “pseudo-celebridades” propensos a ataques de estrelismo, ao nepotismo e à repulsa ao novo.

Essa estrutura daninha dá ao corpo discente a falsa impressão de que está sendo “bem formado” e de maior capacidade intelectual, quando na verdade, na vastíssima maioria dos casos, o que se ensina é um monte de conteúdo teórico descoordenado, desatualizado frente às práticas mais modernas. Sem falar na estrutura dos cursos, que ignoram totalmente as habilidades reais que um jovem precisaria para exercer seu papel social – que dizer então do lado profissional? O valor humano do saber é completamente descartado. As grandes universidades no século XXI viraram criadouros de egos muito mais que fontes de conhecimento.

E com os seus eguinhos inflados, se formam ano após ano hordas de jovens que querem, de alguma forma, ser absorvidos pela sociedade. Querem que suas habilidades, conhecimento e tempo investidos sejam valorizados. Mas como valorizar algo do qual não precisamos? Nosso momento histórico não precisa mais da cria do sistema conteudista, reproduzida década após década pelos mesmo professores nesse ambiente viciado que é a universidade hoje.

Este sistema é favorável apenas a uma única instituição social: ao “bom emprego”. O modo de produção predatório em que nos encontramos, que segue resistindo à sua mais que necessária morte, precisa e postula que persigamos “o bom emprego”, quando na verdade tenta (mal e porcamente) ocultar o fato de que somos completamente subempregados.

No bom emprego cumprir os horários de trabalho é uma ofensa – você tem que dar mais se quer crescer mais. Mais do seu tempo livre, mais da sua saúde, mais da sua vida familiar e afetiva, mais da sua estabilidade emocional. O bom emprego desumaniza. Tudo se reduz a números, inclusive as pessoas. O bom emprego deixa o trabalhador condescendente com os demais, porque afinal ele trabalha tanto e não reclama, logo os outros é que são inferiores. O bom empregado, com o tempo, passa a achar que o porteiro do prédio, a pessoa que limpa a casa dele e o padeiro que assa o pão que ele come todos os dias ganham demais pelo que fazem - afinal eles não têm o diploma da faculdade X, Y, Z. O bom empregado briga no trânsito porque ameaçam riscar o carro que ele ainda não acabou de pagar, e que, portanto, nem deveria ter comprado. O bom empregado é contra as reformas sociais, porque ele acha que todos têm oportunidades iguais, que ele chegou onde está sozinho da silva, e que cada um com os seus problemas. O bom empregado acha que bandido bom é bandido morto, mas vota, eleição após eleição, em político que rouba verba de merenda escolar. Afinal, eles frequentaram a mesma universidade.

Nossa relação com o trabalho hoje, além de extremamente insalubre, é perigosamente nociva para as relações humanas e para a criação de um tecido social mais igualitário. Na economia de mercado, não se enganem, temos muito mais a perder que ganhar. Precisamos estabelecer novas relações, sustentáveis, entre o empregador e a nossa mão de obra. Precisamos, juntos, como sociedade, tomar uma postura diante das novas formas de exploração corporativa do nosso trabalho, do nosso tempo, da nossa vida. Precisamos fazê-lo já.

A maternidade/paternidade

Num dado momento histórico as pessoas se esqueceram que a maternidade/paternidade não torna os indivíduos mais importantes para o desenvolvimento da sociedade e que, ao contrário, traz mais responsabilidades perante o bom funcionamento da mesma. É infernal. Cada bebê que nasce nas classes média e alta é um pequeno imperador/imperatriz, o eixo existencial de todas as pessoas numa família.

Como se a idolatria no lar não fosse suficiente, eles saem de casa e estendem o seu despotismo a todos nós, nos trens, lojas, restaurantes e demais espaços públicos. Raras são as crianças que pedem “com licença” e “por favor”, ou que se constrangem ao perceber que seus gritos, chutes no assento da frente, esbarrões e cenas dramáticas incomodam os demais. Raros são os pais que recriminam e/ou têm qualquer controle da situação - mesmo a 10.000 pés de distância do chão em voos de 10 horas de duração. Somos todos em certa medida reféns da criança alheia.

Imersos na primazia do direito ao (falso) bem-estar infantil já chegamos à beira do surrealismo e, sinceramente, não é muita presunção se achar no direito de incomodar o outro por uma escolha de vida individual e subjetiva, com a desculpa de que “é só uma criança”? Pode ser só uma criança, mas é a sua criança.

Certamente essa negação da qual sofrem estes pais é resultado da frustração diante da relação expectativa/realidade, porque a maioria das pessoas entra nessa sem ponderar as reais implicações para eles próprios. A maternidade caiu como uma luva na era dos fetiches de consumo. Tudo parece tão poético, harmônico, com cheirinho de óleo Johnson’s. Seria perfeito, não fosse pelo fato de que gerar e criar seres humanos é coisa muito séria, difícil e demanda muito tempo, energia, organização e abdicação.

Não tem nada mais falso que um comercial de fraldas. É só observar os exemplos da vida real... não tem leveza, cabelo brilhante e a cozinha branca impecável prometidos pela propaganda de papinha. Uma mulher que volta da licença maternidade é, frequentemente, a imagem da devastação porque o processo da gravidez ao parto e à lactância é duríssimo para o nosso organismo. Um casal com uma criança está quase sempre cansado, com sono e com muito menos dinheiro.

Dito isso, isso não significa, de maneira alguma, que ter filhos não possa ser muito bonito e interessante, nem que conviver com os pequenos não seja adorável e genuinamente divertido. Certamente é uma experiência única, de muito amor e entrega, que não depende de estar/ficar ou não grávida, nem da marca de carrinho que você tem. Acredito que para quem deseja de verdade deve ser muito gostoso. No entanto, não parece demais pedir para aqueles que se aventuram neste caminho (já que a decisão destes tem impacto sobre todos nós) que mantenham os pés bem fincados no chão – os seus e os da sua criança também.

A juventude

Existem poucas coisas mais desprezíveis que um jovem de 26 anos preocupado com a idade. Aquele que faz o típico comentário “Ó, outro aniversário, que tragédia, mas pelo menos ainda não fiz 30”, por favor, pare de fazê-lo. Pare hoje de fazer isso. Pare agora.

A ditadura da juventude é destinada a vender tratamentos estéticos e a fazê-lo infeliz. Apesar das revistas de moda, alguns programas de televisão e o seu dermatologista postularem o contrário, as pessoas não entram numa espécie de limbo da feitura e do declínio humano ao cumprir 30 anos. Na verdade, se você não se deixar ser enganado por esse discurso, altamente preconceituoso, pode ser muito mais legal que cumprir 25, ou 20, etc., porque normalmente essa é uma fase de maior estabilidade, não só financeira, mas emocional também. Em geral, de década em década, vamos ficando (ou deveríamos) mais maduros, instruídos, independentes, com uma maior consciência das nossas habilidades e melhor controle das nossas características negativas. O mais natural, portanto, é sentir-se sempre melhor e mais pleno. Mas não. Com 23 anos já se teme os 40. Os 60, então, é como pensar na morte. Parecemos crianças em idade escolar antecipando o fim das férias, quando na verdade deveríamos desfrutar os processos pelos quais passamos ao longo dos anos.

A busca de parceiros também é determinada pela idade. Na adolescência é até compreensível, três anos podem ser muita coisa quando se tem catorze. Mas na vida adulta o tabu continua. É claro que os parceiros em idades diferentes são aceitos, mas só se a diferença for pequena e se o mais velho for necessariamente o homem (no caso dos casais heterossexuais). As mulheres muito mais novas que os seus parceiros são chamadas de ninfetas e aproveitadoras. As mais velhas que os seus parceiros de predadoras, sem noção da própria idade, dignas de pena. É tão infantil, bobo - um claro sinal de que envelhecemos de maneira completamente imatura.

Outro ponto crucial da ditadura da juventude é que, como seria de se esperar, ela é mais complacente com os homens que com as mulheres. Objetivamente, os homens não envelhecem melhor que as mulheres, mas como o mundo ainda é muito machista, esse é um falso dogma repetido infinitas vezes. Isso ocorre porque como a mulher ainda não atingiu totalmente o status de ser humano perante a sociedade de consumo, somos objetos, produtos. E como tal, é como se o aumento da idade nos aproximasse de uma suposta data de validade precoce. O problema não está nas rugas, nos cabelos brancos, ou na textura da pele. Uma mulher pode ser e estar verdadeiramente bonita em literalmente qualquer idade. O problema é que a única mulher aceita esteticamente é a de vinte anos - como se só fosse possível julgar a beleza de uma mulher de oitenta (ou de qualquer idade) comparando-a com a beleza dos vinte. Criamos um molde estético extremamente limitado e pobre diante do que realmente é a variedade de formas, cores, texturas e proporções humanas. Uma mulher de quarenta pode ser muito bonita aparentando a idade que tem, ao invés de se mutilar e enxertar toxinas e porcarias para “desviver” quinze anos da sua vida.

Ainda que em muito menor escala, o mesmo acontece com os homens, é claro. Ninguém é imune à lente distorcida da ditadura da juventude. Mas o resultado é sempre o mesmo: quanto maior a tentativa de ocultar ou remover sinais, mais velha e desfigurada a pessoa parece.

E mais infeliz também. Como ser feliz se não aceitamos nosso próprio corpo, nosso próprio rosto? Estar bem consigo mesmo, amar o próprio corpo, é como sentir-se em casa. E quem tem o direito de dizer que ele não é perfeito exatamente do jeito que é?

Coisas incríveis acontecerão na sua vida, em qualquer idade, se você não se sujeitar a esse tipo de bobagem.