Estar no mesmo lugar, na mesma família, na mesma cidade é conviver com o outro, é conviver com outros. A simples proximidade é o que define a convivência entre pessoas, entre seres.

Proximidade engloba também a temporalidade e é tão abrangente nesta sua acepção que explica os conceitos de contemporaneidade e de antiguidade. Os cenários de convivência são vivenciados (nutridos) no agora, no antes e no depois, tanto quanto no perto e no distante.

Conviver é compartilhar o mesmo espaço, a mesma época, mas é também participar do que ocorre com o outro. A questão da participação na convivência é uma obrigatoriedade que foi reduzida a quase um não sentido de convivência, embora seja o que a mantém em termos de tranquilidade, ou o que a transforma em dificuldade, criando obstáculos, transformando os encontros em choques, disputas, querelas e discórdias. Estes aspectos de desarmonia comprometem convívios, pois as partes foram distorcidamente transformadas em totalidades, contextos à partir dos quais são definidos, são configurados os moldes de convivência. Já não é apenas o estar próximo, no mesmo espaço, na mesma família, que define a convivência: os vetores, as sinalizações que estruturam valores e regras criam grupos onde as pessoas sentem-se representadas e são deles representantes. O igual, o diferente, o estrangeiro, o considerado bom ou ruim são integrados ou desintegrados à partir destes significados. A convivência agora é entre iguais e entre diferentes.

Sociedades são conjuntos onde as direções, os espaços são definidos segundo padrões sócio-econômicos. Espaço de ricos, espaço de pobres, locais de deficientes são criados para que a convivência social não seja perturbadora. Zona de craqueiros[1], espaços proibidos e limites de morte - em certas aglomerações urbanas - estabelecem o sentido do ir e vir. Há o proibido, o permitido, o que vai causar prejuizo, morte, tanto quanto outras situações, outras avaliações podem levar à fama e poder. Os lugares significam em função do que neles circula e por onde eles se encaminham, desde igrejas, hospitais, prisões até às antessalas do poder.

A questão da convivência já não é uma questão aberta, contínua, não é típica dos seres humanos, ela é uma encruzilhada representativa de tudo que deve ser selecionado, continuado e descontinuado: preconceitos, medos, ansiedade, insegurança preenchem estas lacunas, suportam estes tentáculos. Valores criam espaços, estabelecem limites, permitem inclusão, invasão e ameaça. Áreas de pobreza, em qualquer periferia das cidades, geralmente têm dejetos a céu aberto, frequentemente criando espaço para convivência com outras espécies distintas: insetos ou até mesmo baratas e ratos criam problemas e doenças, destruindo os homens que com eles convivem. E assim, conviver com o outro é totalmente diferenciado em função destes valores sociais e econômicos, uma convivência geradora de conflitos e dificuldades, bem diferente das situações onde conviver é situar-se em relação ao outro, a si mesmo e ao mundo, questionando, abraçando, descontinuando, continuando o que está em volta.

A lucidez, o questionamento impedem que o homem seja transformado em objeto, possibilitando espaço de convivência, tanto quanto de diálogo, encontro e interação criadora de convivências significativas e humanizadoras.

Nota

Craqueiros: usuários de craque. Algumas cidades brasileiras têm zonas onde viciados em craque vivem ou passam horas e dias entregues ao consumo da droga.