Alguns, quando conseguem se destacar na vida, seja pelo reconhecimento profissional, ganhando muito dinheiro ou conquistando a fama, costuma-se dizer que o sucesso “lhes subiu à cabeça”, pois se tornam muito arrogantes e por demais convencidos do seu poder, deslumbrados com seu próprio ego. Já outros, quando são “ovacionados” recuam aparentemente assustados parecendo “não dar conta” do sucesso alcançado. Talvez tudo seja uma questão de “tamanho do ego”. Para alguns desmesuradamente grande. Para outros, pequeno, e ainda dando seus primeiros passos na tentativa de se autoafirmar.

Não vamos nos esquecer que egos desmesurados o são na tentativa de supercompensar sentimentos de inferioridade. No entanto, nada mais paradoxal do que ter medo das “luzes dos refletores” e é sobre este último caso que vamos nos deter um pouco mais.

Entre as conseqüências que o sucesso pode trazer, “o brilho das câmeras” talvez seja o que há de mais simbólico para representar o desconforto ao ocupar o lugar que supostamente lhe cabe e que lhe é, portanto, merecido. Para alguns, atingir as raias do sucesso pode ser uma condição secreta e intensamente desejada, mas ao mesmo tempo pode ser seu objeto mais temido. Mas quais seriam as prováveis hipóteses como resposta a este paradoxo? Timidez talvez fosse a resposta mais simples e imediata. No entanto, isto é apenas a ponta do iceberg.

A tenacidade dos laços familiares e a obediência aos mandatos que nos foram imputados podem representar um forte entrave e um obstáculo que nos impede de degustar do merecido sucesso. Em geral, somos ligados a membros de nossa família de origem por fortes laços de lealdade e fidelidade e, principalmente se nossos pais passaram por momentos difíceis no passado, não nos sentimos à vontade para viver de “sombra e água fresca”, mesmo que esse seja nosso maior desejo e o de nossos próprios pais em relação a nós (os pais em geral desejam e lutam para que os filhos tenham uma vida melhor e mais fácil do que a que eles tiveram no passado). “Vamos sofrer juntos até que a morte nos separe”, este parece ser o lema introjetado em nosso inconsciente.

Como receber os louros e os confetes se há ecos do passado que reverberam gemidos e gritos de dor? Dentro de si há uma crença fortemente instalada onde somos todos da mesma família. Mais do que isso, somos um organismo único. O destino de um é o destino de todos. Se um não teve o direito e o merecimento de acessar aos pódios da vida, o outro também não pode ter. Na verdade seus membros são codependentes e ainda não atingiram a diferenciação.

Segundo Samuels et. alii. (1988), a palavra “diferenciação” significa distinguir partes de um todo, desemaranhar, separar aquilo que antes estava unido inconscientemente, resolver. A diferenciação é tanto um processo natural de crescimento como um empenho psicológico consciente. Faz parte de estados neuróticos de superdependência e interdependência de figuras de genitor e parceiros de casamento, como também de estados interiores quando uma ou mais funções psicológicas podem ser contaminadas por outra.

É preciso se destacar. É preciso fazer um esforço consciente para conquistar a diferenciação. É preciso ter a ousadia de ser feliz e usufruir dos frutos merecidos que colhemos nesta vida sem que isto represente uma traição àqueles que amamos. É preciso ter a ousadia de escrever uma história diferente e mais prenhe de recursos e possibilidades, sem com isso sentir culpa.

Chegamos a uma vilã número um que se mantém escondida nas sombras de nosso psiquismo, que esta sim tem um papel fundamental no sentido de obnubilar e tornar incômodas as luzes dos refletores. A senhora culpa. Sutil, quase nunca a percebemos. Mas sua ação é perniciosa e devastadora. Tomar consciência de que ela existe já seria um passo muito importante. A tarefa de romper com os grilhões de vilã tão poderosa talvez envolva um passo silencioso e quase imperceptível: a decisão e a escolha de se permitir trilhar um caminho diferente, escrever uma outra história, e nem por isso deixar de amar quem nos ama.

Fazer as pazes com o sucesso, antes de tudo, talvez seja um simples ato de “desemaranhar-se para resolver”. Desemaranhar-se para ousar ser uma parte diferente das outras partes, mas enriquecendo e tornando mais forte o todo.

Bem-vindo o sucesso a que temos direito!

Referências bibliográficas

SAMUELS, A.; SHORTER, B.; PLAUT, F. - Dicionário crítico de análise junguiana. Rio de Janeiro, Imago Editora, 1988.