A Psicologia da Arte pretende aprofundar o auto-conhecimento, passa pelo crivo da norma, promove a liberdade e tem que passar pelo confronto com o estranho, pois a Arte para além de levar à descoberta de conflitos, deverá igualmente permitir encontrar uma saída para os impasses e dilemas que a vida apresenta. Deste modo, em termos morais, ao promovermos a liberdade e esse confronto com o estranho, estaremos igualmente a promover a liberdade como auto-legislação, isto é, autonomia criativa.

A Psicologia da Arte ajuda a compreender a matéria dos sonhos e a própria cultura como metamorfose hermenêutica. O mundo é um enorme texto que está aí para ser decifrado e o ser humano vai fazer a sua interpretação; vai representar esse mundo e vai partilhá-lo narrativamente.

Todo o sujeito é singular, possui a sua história de vida, interesses particulares e é através da linguagem que se irá exprimir, representar o seu modo de ser e estar-no-mundo.

Indo ainda mais longe, e como conclui o psicólogo do desenvolvimento Vygotsky (1993:131): “As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento mas também na evolução histórica da consciência como um todo”.

Observa-se, assim, o papel fundamental que a linguagem desempenha na constituição dos sujeitos e a importância da interacção verbal social no processo ensino-aprendizagem, que jamais é eticamente neutro. Mesmo quando o professor faz paráfrases, operação típica do discurso pedagógico e explica de uma outra forma facilitando a compreensão por parte dos alunos, já aí o próprio professor fez uma hermenêutica, uma interpretação, que orienta para o sentido desejado, reflectindo e modificando uma determinada realidade.

Quando num museu vemos os quadros legendados, ou numa exposição ao ar livre percebemos que as esculturas têm título… deparamos com os mais variados Graffittis…( ex: Muro de Berlim) ou ainda a obra prima de arquitectura da Bibliotheca Alexandrina envolta de hieróglifos, vamos lendo a intencionalidade dos autores.

Podemos, pois, concluir relativamente a este primeiro ponto, que a palavra, considerada produto ideológico, carrega em si lutas, conflitos e até mesmo o peso das determinações sociais que a produziram, razão pela qual o sentido da palavra ou do discurso, de forma mais ampla, somente poderá ser compreendido se se levar em conta tanto os sujeitos, quanto o contexto dialógico, o momento socio-histórico e as formações social, ideológica e discursiva dos interlocutores.

Note-se que não há prática docente que não seja um ensaio ético-estético “a realidade é, assim metamorfoseada por meio daquilo a que chamarei ‘as variações imaginativas’ que a literatura opera sobre o real” (Ricoeur , 1986,p. 62), isto é, que não articule a função imaginativa com os valores que a mesma pode veicular, até porque, de uma perspectiva narrativa, nós somos histórias, biografias e segundo MacIntyre (1981, p.213), autor com o qual Ricoeur debate o conceito de identidade narrativa, seremos apenas co-autores das nossas próprias narrativas e por conseguinte somos de certeza co-autores das histórias dos nossos contemporâneos.

Roland Barthes (1966) é de opinião que a história da narrativa começa com a história da humanidade, as guerras entre os homens são guerras de linguagem, a conquista do poder e do território começa com a palavra; o que leva a perguntarmo-nos se a utilização das abordagens hermenêuticas poderá ajudar as pessoas e seus respectivos dilemas, no seu quotidiano? Segundo Rorty (1989) e Peavy (1991) a imaginação é a nossa ferramenta para engendrar metáforas, para dizermos as nossas histórias e assim redescrevermos quem somos, qual o nosso contexto e o que se torna significativo para nós, na nossa vida. As primeiras narrativas eram desenhos, pinturas rupestres, imagens toscas representando um mundo de sobrevivência humana. Mas como olharão os vindouros para os nossos livros encadernados ou para as nossas esculturas?

Note-se que é importante ter em conta que as próprias histórias contêm em si elementos de ordem prospectiva que nos podem ajudar a organizar o nosso futuro e, portanto, a questionar o presente. Daí que o sociólogo David Cooper (1974) proponha que os livros sejam diálogos em que o que se vai passando no livro se torne criação conjunta de todos nós, pois existe um tempo para as mentes, um tempo para abandonar as nossas mentes e um tempo para as recuperar. Em termos ricoeurianos, poderíamos dizer que há um tempo para nos apropriarmos da “coisa do texto” e um tempo para nos distanciarmos dela para reencontrarmos o nosso próprio sentido das coisas, no nosso contexto, já que escutar-se a si próprio é sempre uma condição prévia para ouvir a mensagem de outrem.

A partir da década de 90, o interesse nas “histórias” é crescente. A própria editora do Journal of Moral Education, Carol Witherell, sublinha a sua importância num artigo seu (1991, pp. 84-85): “If stories come to you, care for them. And learn to give them away where they are needed. Sometimes a person needs a story more than food to stay alive, that is why we put these stories in each other’s memory. This is how people care for themselves”.

Autores como Charles Taylor, (a quem Ricoeur repetidamente se refere na sua obra Le discours de l’action), David Carr, Bruner, Tappan, Wright, defendem o diálogo e o poder da imaginação como duas componentes essenciais ao processo de desenvolvimento moral: “Imagination plays a central role in the formation of the self, including its narrative structure. It is imagination that enable us to ask the ‘What if’ and ‘as if’ questions that can guide our explorations of human events and actions “ (Witherell 1991, p. 86), daí que não seja de estranhar a referência a Ricoeur: “Stories, Paul Ricoeur tell us, offer us models for the redescription of the world. Wether biographical or fictional, stories provide meaning and belonging in our lives. They attach us to others, to our history, and to ourselves”. (Wright 1982, p. 153). A arte literária promove, assim, uma imaginação moral!

Também outros autores, especialistas neste domínio, se referem a Ricoeur, sempre que a valorização da narrativa, em relação ao desenvolvimento moral, está em jogo. Polinghorne (1990) defende que “quando abrimos o livro da experiência humana, constatamos que ele está escrito em linguagem natural”. Será precisamente esta linguagem que passa a assumir o estatuto de facto psicológico de primeira ordem, assumindo-se como tema essencial da segunda revolução cognitiva (Harré & Gillet 1994).

A linguagem passa a ser assumida como o próprio fenómeno psicológico. Como nos foi relembrando Vygotsky (1962), desde muito cedo que nós percebemos a realidade através da linguagem; daí que narrativa, neste contexto, seja definida como “uma estrutura de significação que organiza os acontecimentos e acções humanas numa totalidade, atribuindo deste modo significado às acções e acontecimentos individuais de acordo com o seu efeito na totalidade” (Polinghorne, 1988, p. 18). A narrativa surge, assim, não como uma representação de uma realidade cognitiva essencial mas como um elemento central da experiência do indivíduo, uma forma de construir um conhecimento indissociável da experiência de existir.

O homem não se sente isolado no cosmos, está aberto para um mundo que, graças ao símbolo, se torna familiar. Por outro lado e retomando a perspectiva ricoeuriana, as valências cosmológicas do simbolismo permitem-lhe sair da situação subjectiva e reconhecer a objectividade das suas experiências pessoais. Por outras palavras, quem compreende um símbolo não só se abre para o mundo objectivo como também consegue sair da sua situação particular e ter acesso à compreensão do universal.

Neste sentido, cabe ao verdadeiro artista ser um construtor de pontes, a arte enquanto linguagem deverá promover encontros significativos. Deste modo, a hermenêutica será a resposta do homem ocidental, talvez a única inteligente, afirma convicto Eliade, no Prefácio a Mefistófeles e o Andrógino, às solicitações da história contemporânea, ao facto de o ocidente estar predestinado ao confronto com os valores culturais dos “outros”. Este confronto com os “Outros” ajudará o homem ocidental ao auto-conhecimento. O esforço para compreender os modos de pensamento estranhos à tradição racionalista ocidental; isto é, tentar decifrar a significação dos símbolos, traduz-se já num enriquecimento da consciência; traduz-se já num movimento dialéctico que vai da razão abstracta à razão sensível (Maffesoli, 1996), que acompanha a tensão dos próprios símbolos.

Nos dias de hoje os símbolos das crianças são as “Play stations”, as PsPês; os vídeos, o computador…A narrativa é híbrida, uma mistura de imagens e palavras, de realidade e virtual. Com ela, surgem crianças também elas híbridas na medida em que as suas expressões simbólicas são ora muito sensíveis, ora muito racionais e encontrar o equilíbrio entre estas duas forças, a tal razão sensível de que fala Maffesolli, não é tarefa fácil. Cabe à Psicologia da Arte chamar a atenção para o facto de que a Arte não é reflexão mas vivência, contacto com a Beleza, com os valores, com as significações, até erro criativo, desvio.

É a mudança do fora do “eu” para o “próximo” que diminui ou elimina problemas como o egoísmo, inveja, exclusão e agressão. É a Psicologia da Arte que vai permitir o desenvolvimento de uma atitude crítica e auto-crítica em termos de experiência ético-estética.

Será como passar através do espelho de Alice no País das Maravilhas, em educação. É um mundo surpreendente, algumas vezes desorientado, cheio de contos de fadas, mitos e lendas, ou música, arte, demonstração física, jogos e, de livros de tarefas escritos e ilustrados por estudantes, um mundo sem exames, graus, computadores ou televisão.

É, em suma, um mundo onde as ideias e prática do sistema educativo ficaram para trás. Note-se que a energia dos Índigo é uma energia que vai obrigar a uma ruptura com as antigas formas de ensinar. É uma energia que nos obriga a questionar as coisas, a mudar a forma como procedemos e até a forma de vivermos, com vista a uma alteração radical na expressão dos comportamentos humanos (Jardim, 2009, p.14). Apontaremos, então, para um novo paradigma de educação em que o role playing é essencial da parte dos pais, educadores, professores…

O poder e o medo, o autoritarismo e a insegurança vão dar lugar ao Amor, ao respeito, à tolerância, sendo a Comunicação um dos meios chave com que se pode mostrar amor e respeito. O acto de comunicar é um acto de dar e receber. A pessoa que comunica está a dar e a partilhar ideias e a pessoa que ouve está a receber ideias. É deste brainstorming que nascem muitas vezes as obras de arte. Esta é a verdadeira comunhão de bens a que se refere Ricoeur quando fala de educação. É que o Outro funciona como janela de aprendizagem (Vygotsky) e espelho de auto e heteroconhecimento.

Será, pois, uma possibilidade infinita de ser- e-estar-no-mundo que há que promover através da Psicologia da Arte, que há que rever como tarefa hermenêutico-ética, onde a imaginação tem o seu lugar como pedagogia da alteridade.

Bibliografia

Obras de Vygotsky

(1987) Thought and Language, Cambridge, MA, Mit Press.
(2001) Psicologia da Arte, Brasil, Martins Fontes.
(2001) A construção do pensamento e da linguagem, Brasil, Martins Fontes.
(2003) Psicologia pedagógica. Edição comentada Porto Alegre. ARTMED.
(2009) A imaginação e a arte na infância, Lisboa, Relógio D`Àgua.

Obras de Paul Ricoeur

(1975) Métaphore vive, Paris, Seuil.
(1986) Du texte à l’action. Essais d’hermeneutique II, Paris, Seuil. Tradução Portuguesa (1986): Do texto à acção, ensaios de hermenêutica II, Porto, Rés Ed.
(1983) Temps et Récit I, Paris, Seuil.
(1990) Soi-même comme un autre, Paris, Seuil. Tradução Portuguesa(1991): O si-mesmo como um outro, Brasil, Papirus.
(1991) Lectures I Autour du Politique, Paris, Seuil.

Outras obras consultadas

Bachelard, G., (1957) La poétique de l’espace, Paris, Quadrigue, Presses Univ. de France.
Blatt, M. & Kohlberg, L., (1975) “The effects of classroom moral discussion upon chlidren’s moral judjement”, Journal of moral education, 4, 129-161.
Carroll, Lewis. (2003). Alice no país das maravilhas, Porto, Edições âmbar.
Carroll, Lee & Tober.Jan, (1998) Indigo Children, EUA, Hay House.
Damásio, A. (1999) O Sentimento de Si, Mem Martins, Publicações Europa América.
Durand, G., (1995) A imaginação simbólica, Lisboa, Ed. 70.
Eco, U., (1995) Seis passeios no bosque da ficção, Oeiras, Difel.
Eliade, M., (1991) Mefistófeles e o andrógino, Brasil, Martins Fontes.
Goodman, N., (1995) Modos de fazer mundos, Porto, Asa.
Kant, Immanuel. (1800). Academie – Ausgabe.
Jardim, M.A., ( 2009) Crianças índigo. Novas atitudes pedagógicas, Porto; Edições Universidade Fernando Pessoa.
Jardim, M.A, ( 2003) Da Hermenêutica à Ética em Paul Ricoeur. Contributos para um desenvolvimento educativo e moral através da literatura, Porto, Edições Universidade Fernando Pessoa.
László, J., ( 2008) The Science of Stories an introduction to narrative psychology, NY, Routeledge.
MacIntyre, A., (1981) After Virtue. A study in moral theory, London, Duckorth.
Meyer, Michel. (1994). Linguagem e Literatura, Lisboa, Usus Editora.
Merleau-Ponty, Maurice. (1971). O visível e o invisivel, São Paulo, Perspectiva.
Wunemburguer. J.J. (1999). A razão contraditória, Viseu, Instituto Piaget.