Ser hábil ou ser capaz no que se propõe fazer decorre de disponibilidade para globalizar o que está diante, o que se quer fazer. Frequentemente se entende habilidade como expressão de dom, talento ou aprendizagem e treinamento. Quando pensamos em habilidade como expressão de dom e talento, neutralizamos o aspecto relacional do comportamento e enfatizamos supostas causas, predisposições e características para explicá-la e entendê-la.

Estabelecer causas, seja admitindo causas intrínsecas (como dom, talento, vocação), seja admitindo causas extrínsecas (como aprendizagem e treinamento) segmenta a globalização da disponibilidade e criatividade existentes nos comportamentos hábeis. Nesse sentido, quando habilidade foge do campo artístico, ela é entendida como esperteza e oportunismo.

A apreensão da totalidade, do contexto no qual se exerce habilidade, ultrapassa as motivações que se julgam necessárias para realizar tarefas e propósitos, pois exigem disponibilidade: estar inteiro e em sintonia com o que está ocorrendo. Essa sintonia, essa disponibilidade permite apreender as contradições, as continuidades e descontinuidades do que se mostra, e habilmente exercer transformações e transposições. É esse exercer transponibilidades que expressa, traduz e realiza a habilidade, criando assim, eficiência, operosidade e harmonia.

Na habilidade não existe fixidez funcional, não existe estereotipia e repetição mecânica. O comportamento hábil é congruente e possibilita sempre diversificações qualitativamente integradoras.

A habilidade de apreender as contradições do outro, suas dificuldades, permite encontros transformadores, tanto quanto possibilita afastamentos fundamentais para integridade de vivências e vida. Ao lidar com dificuldades, impasses, falta de recursos e até mesmo - no nível psicológico - com indivíduos fechados em mutismos, autismo e autorreferenciamento ou transbordando em exigências e em agressividade, a habilidade pode estabelecer encontros. Encontrar o ponto de tensão é uma maneira de distensionar, é desatar os nós que expõem aberturas e passagens. A disponibilidade para perceber o outro, a habilidade de ultrapassá-lo quando se está diante de um sobrevivente fanatizado por necessidade de realizar desejos custe o que custar, mesmo que isso implique em destruir tudo que está em frente, é uma maneira de ultrapassar impasses e ciladas. O assaltante que ameaça, o ex cônjuge que agride são afastados, evitados quando se apreende as configurações que os situam e identificam.

Deter-se em aspectos, por mais explícitos e definidores que sejam, estabelece cortes sonegadores do que acontece enquanto totalidade.

Habilidade é a conhecida “presença de espírito”, é a participação total que transforma o acontecimento, ampliando suas dimensões enquanto contradições, constatações, direções e sequências. Ser hábil é estar vivo, inteiro e participante, sem a priori: sem medos, sem certezas. É o se deter no globalizado e, assim, disponivelmente, reconfigurá-lo em outras dimensões e contextos. Essa transponibilidade garante mudança, pois é estruturada em habilidade, em sintonia com o que ocorre.

As incríveis vivências de som, cores e formas, habilmente sincronizadas em um filme, em um concerto, em uma pintura, ou ainda, a execução de projetos de móveis, roupas, jóias, quando habilmente feitos, expressam disponibilidade e congruência, são exemplos que atestam habilidade, dedicação, expertise.

Em sistemas mecânicos e despersonalizantes, nos quais tudo é imitado para atingir o efeito que se considera bom, bonito e útil, se tenta sempre ter habilidade e dedicação, mas são cópias equivalentes aos comportamentos imitativos dos chimpanzés de Köhler, que olhavam mas não globalizavam o que viam, corriam em disparada para fazer o que o outro chimpanzé tinha feito, sem sequer saber qual o problema, qual a dificuldade.

Ser hábil é estar inteiramente dedicado ao que desafia, ao que se propõe realizar, fazer e vivenciar. Cópias, imitações e colagens exilam a habilidade, embora possibilitem, geralmente, robôs eficientes, mas, não hábeis, pois não há liberdade, tudo é feito dentro de limites programados, regras seguidas para empreender.