Tudo sempre igual. A repetição preside os processos, dos metabólicos à passagem do tempo: dia, noite, claro, escuro, nascimento, morte e velhice. O ter que se sustentar, ter que se alimentar, a manutenção da vida é a maior contradição do processo, da dinâmica da vida. Só há continuidade se houver manutenção. Atrelar dinâmica ao estático, movimento à inércia, é dialética. Viver sem contradição é o desejado, tanto quanto é o impossível.

Os índios Guaranis, por exemplo, execravam a terra má, odiavam o uno, odiavam a unidade. Para eles o um é toda coisa corruptível. O modo de existência do um é o transitório, o passageiro, o efêmero. Os Guaranis odiavam o transitório, a passagem, a mudança e achavam que isso era gerado pelo um, que eles significavam como o incompleto.

Nós ocidentais entendemos a unidade como o inteiro, o não fragmentado, o que se mantém enquanto autonomia e possibilidade. Nesse sentido, nossa coincidência em relação aos Guaranis se resume na admissão da unidade, do uno como possibilidade única de dinamização, isto é, mudança, passagem, o que para nós é bom. A divergência surge quando para os Guaranis, mudança, transitoriedade são ruins. Como eles mesmos dizem:

“e muitas vezes, chegamos lá, nas praias, nas fronteiras da terra má, quase a vista da meta, o mesmo ardil dos Deuses, a mesma dor, o mesmo fracasso: obstáculo à eternidade, o mar indo com o Sol”.

(«A Sociedade contra o Estado», de Pierre Clastres, 1978, Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro)

Não há eternidade, pois não há imobilidade. A dinâmica, o não posicionamento dos desejos realizados, a felicidade que escoa geram monotonia e tédio quando essa dinâmica não é aceita. Nada é para sempre. Sempre é uma abstração que só pode ser entendida enquanto continuidade, e pelos implícitos de manutenção que ela impõe, continuidade é monotonia.

A vivência da monotonia, do tédio é muito frequente, pois o presente, os processos são atravessados por expectativas preenchidas e geradas por avaliações. O simples fluir da dinâmica, a continuidade, não traz em si significado, não aponta para bem ou para mal, e se assim for percebida ela é ritmo, contexto, paisagem.

Não havendo avaliação não há inserção de atributos fragmentadores e referenciadores de Por que, Para que, Quando. Sem interrupção não há colapsos geradores de ansiedade. A ansiedade é que cria monotonia, pois estabelece referenciais outros, tais como ritmos, frequências que geram expectativas ao afastar o indivíduo de suas vivências. Entregue ao que acontece, vivenciando o acontecido, sem significar vantagens e desvantagens, não há interseção, avaliação possibilitadora de metas, medos ou desejos.

Monotonia e tédio traduzem o fato de estar exilado de seu presente, resulta da não aceitação do mesmo. Se tudo é vivenciado como tedioso, o presente deve ser transformado. O primeiro passo é abandonar o conforto da adequação, da repetição, do hábito. Para atingir montanhas é necessário abandonar planícies, tanto quanto o trajeto pelos cumes pode ser tão habitual que a busca da planície seria uma diferença, uma quebra da monotonia. Vivenciar o que está diante é sempre dinamizador (mesmo que só se encaixe nos critérios do que se considera ruim). A dinamização exila monotonia e tédio, diferente de instalar-se no adequado que provoca convergências pontualizadoras na continuidade agora enrijecedora: sem autonomia se acerta, se erra, se automatiza. Automatizar, agora, é o plano, a configuração que instala tédio e monotonia.