“Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim decidir
entre rir ou chorar, ir ou ficar, desistir ou lutar; porque
descobri no caminho incerto da vida, que o mais
importante é o decidir”.

(Cora Coralina)

Quem de nós já não sentiu na vida um impacto que reverberou em nosso corpo tal como a sensação de levar um “soco no estômago”, um “aperto” no peito, sentiu lhe faltar o ar, um “frio na barriga”, ou ainda, simplesmente a sensação de lhe “faltar o chão”?

As expressões acima representam metaforicamente um grande mal-estar, pois maximizam através de sensações fisiológicas o profundo impacto emocional que sentimos em situações de impasse e tomada de decisão, momentos de mudança e transição, que colocam todo o nosso ego em estado de alerta, visto que não contamos mais com aquilo que nos proporcionava segurança e que era a nossa referência, justamente o nosso “chão”. Sem ter mais um chão para pisar nos sentimos perdidos e confusos. Perdemos o norte. Uma luz vermelha então se acende e a palavra perigo ressoa fortemente. À nossa frente temos situações novas / desafiadoras que nos obrigam a sair em busca de algo; talvez recursos dentro de nós mesmos que ignorávamos que possuíssemos. Ou quem sabe aquilo de que precisaríamos estaria fora de nós. De qualquer forma, é urgente encontrar alguma nova ferramenta para enfrentar o atual estado de coisas. Algo que se adapte e se ajuste àquela nova configuração. Ao olhar em volta, contudo, não conseguimos identificar nada que possa ser o que procuramos (até porque não sabemos exatamente o que procuramos). Parecemos caminhar sobre areia movediça e o risco de afundar e sermos engolidos continua muito presente e real, o que nos faz estar em constante estado de alerta. Começamos então a gritar por socorro!

Estas são algumas manifestações desencadeadas na maioria dos seres humanos em estados de crise. Vivenciar uma crise nos deixa atordoados, pois sentimos que ela nos vira do avesso, nos chacoalha, nos põe de ponta-cabeça forçando-nos, desta forma, a buscar uma solução criativa para o problema. De cabeça para baixo a realidade que enxergamos parece bem diferente daquela que vislumbrávamos quando estávamos em pé. Tudo está invertido.

O fato é que não sabemos exatamente para onde vamos. A crise pode nos levar a um “lugar” muito diferente daquele no qual estávamos assentados e isto nos deixa profundamente angustiados. No mundo em que vivemos nada é perene, mas nos agarramos às coisas como se estas fossem eternas.

No ideograma chinês, estudiosos de mandarim afirmam que a tradução mais exata para a palavra crise corresponde a “momento crucial de perigo”.

Momentos cruciais são momentos iminentes de tomada de decisão; momentos em que tudo parece estar em jogo: a nossa vida, a nossa sobrevivência, o nosso trabalho, o nosso amor está em jogo. Podemos perder tudo, mas também podemos ganhar muito. É o que se chama de a “hora da virada”, onde uma grande mudança se anuncia, mas ainda não sabemos se é para melhor ou para pior. Nesse momento a nossa autoconfiança é posta em xeque e somos obrigados a fazer escolhas e a agir sem demora. Nunca o nosso “faro” foi tão importante, pois as informações dadas pelos nossos cinco sentidos não são suficientes. Precisamos retroceder ao instinto, aprender com os animais.

Parece-me que diante de tudo isso, o valor da crise está justamente em nos colocar contra a parede e nos obrigar a desenvolver novas possibilidades dentro de nós mesmos e, por conseguinte, fora de nós. Ganhando ou perdendo, de qualquer forma nos fazemos mais fortes. A situação de crise engendra, no seu bojo, o nascimento de algo novo, mesmo que para isto seja necessário nos desprender e fazer o luto de algo. Além disso, somos testados em nossos limites para ir mais além do que achamos que somos capazes de ser ou fazer. Em resumo, uma situação de crise representa sempre um “convite”, mesmo que compulsório, ao crescimento. A evolução é a lei natural do universo. Não podemos nos acomodar num determinado status quo porque no cosmos nada é estático.

Numa situação de crise em um grupo, por exemplo, somos forçados a sair do egocentrismo, pois a reação mais comum consiste na manifestação do pior de si mesmo quando há um problema a ser enfrentado. Ao invés de somar esforços para juntos encontrar uma solução, acirram-se as rivalidades e os membros começam a se atacar mutuamente. Instaura-se a competição ao invés da cooperação. É sobejamente conhecida a história em que a canoa está afundando e alguns de seus ocupantes, a fim de diminuir o peso, lançam no rio seus próprios companheiros. A filosofia do “salve-se quem puder” se adequa perfeitamente à forma como muitos de nós enfrentam crises na vida.

Esta não é, entretanto, a resposta criativa e humanamente esperada de um cidadão que está vivendo a Era de Aquarius. É necessário, pois, apresentar uma resposta que vai além da condição primitiva do ser humano, onde haja mais solidariedade e empatia, mais compaixão e união em torno de uma solução coletiva que possa abarcar e contemplar a todos. Devemos, neste caso, empreender um estudo minucioso para descobrir que reparos precisamos realizar no barco a fim de que ele se apresente mais seguro no enfrentamento das tempestades da vida. Se acaso cheguemos à conclusão de que aquele barco, de fato, é pequeno demais para nós e que precisamos de outro maior, então que seja feito o descarte, não sem antes nos debruçar coletivamente na construção de uma estrutura mais e melhor adaptada.

Nunca nos esquecendo de que a evolução se processa por patamares. Quando exploramos tudo que for possível para o nosso crescimento num determinado patamar, então devemos necessariamente juntar nossos pertences e galgar um novo degrau. Sem lamentos ou maiores delongas.

Mais uma vez, os versos de Cora Coralina nos auxiliam a encerrar esse artigo com chave de ouro e nos convidam a seguir sempre e a recomeçar, independente do “abalo sísmico” que tenha se operado em nossas vidas:

“... É que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas, mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros, mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça”.