Pensar em pecado geralmente implica supor ordens divinas, transcendentais ou, no mínimo, famílias e outras instituições sociais. É sempre algo além do próprio indivíduo, que o situa por meio das responsabilidades ao acatar normas, tanto quanto pela admissão dessas responsabilidades. Uma implicação disso é o estabelecimento de culpas quando as obrigações não são atendidas, quando os padrões estabelecidos não são mantidos e questionados.

O maniqueísmo das explicações referenciadas em absolutismos de base religiosa ou científica baseiam-se em preconceitos, além de reforça-los oferecendo justificativas alienantes e compromissadas. Inúmeros indivíduos, ao invés de enfrentar preconceitos sociais ou suas próprias não-aceitações, seguem a via fácil - e socialmente aceita - das justificativas forjadas em explicações que negam escolhas e responsabilidades.

A culpa expõe a responsabilidade e questiona motivações e ações individuais. Essa atmosfera medieval foi modernamente substituída pelos conceitos de doença ou patologia e de naturalidade. São conceitos que eximem culpa, criam escusas, desresponsabilizam o indivíduo por seus atos. Tempos atrás alguns membros de comunidades gays vibraram quando se supôs que homosexualidade tem origem genética, chegando a dizer: “minha culpa acabou, nasci assim”, “não escolhi ser homosexual, assim como não escolhi ter olhos azuis”. As explicações são dadas por causas biológicas, genéticas, enfim, causas passadas e irremovíveis, das quais os indivíduos não têm responsabilidade e por isso não deveriam ser criticados ou culpados. Ignoram os preconceitos e em última instância, apenas aprofundam esses mesmos preconceitos quando aceitam explicações biológicas ou sociais como determinantes de suas motivações, negando-se assim como indivíduos, sujeitos responsáveis pelos seus atos. Não questionam os preconceitos, apenas se justificam e se apoiam em explicações preconceituosas.

Nessas visões, os pecados acusam, denotam responsabilidades e as patologias desculpam, escusam. Se é vítima das patologias, nada se pode fazer para revertê-las. Essa divisão entre genética e escolha nas motivações sexuais, por exemplo, vitimiza ou culpa caso não se assuma as próprias motivações.

Considerar-se tomado por forças cegas, por obsessores, por vozes que acusam e orientam também pode se constituir em patologia, delírios que podem ser transformados em justificativas para ações inconsequentes e anti-sociais, eximindo-se de culpas. Sentir-se culpado implica em se sentir responsável pelos próprios atos, consequentemente não justificá-los por suposta doença ou obsessão que configura deslocamento de inadequação, medos e não aceitações.

A vivência do pecado e da culpa são transformadoras nas interações e dificuldades humanas, ao passo que se considerar vitimado por patologias, das físicas às sociais, é uma maneira de eximir-se da responsabilidade de estar no mundo com os outros, desde que, mesmo quando portador de uma incapacidade, dificuldade ou característica discriminada, não é esse dado que se constitui em causa do comportamento; sempre existe a motivação e a determinação que transformam o posto, o colocado como diferente e fatal.

Pecado e patologia estruturam culpas e desculpas, despersonalizam ou personalizam os indivíduos a depender de sua autenticidade ou inautenticidade em relação às questões vivenciadas. Não é por precisar de dinheiro que se mata, essa justificativa expõe caracter desumanizado pela sobrevivência enquanto luta predadora. Humanizar é ser estruturado desde o que se cativa até o que se é responsável, nesse sentido é o processo resultante do convívio com o outro, sem se perder ou deter nas patologias, nas desumanizações causadas pela utilização dos problemas, dificuldades e doenças, até mesmo estigmas, como justificativas que expiam maldades. Questionar as possibilidades e viabilidades do que é considerado pecado, cria transcendência, humaniza. Instalar-se nas explicações que consideram aspectos genéticos e biológicos como responsáveis pelos comportamentos complementam e ampliam as necessidades de sobrevivência, tanto quanto alienam o indivíduo de suas possibilidades de transformação.

Não há culpa, não há perdão, não há pecado diante das infinitas possibilidades humanas de realizar vontades, desejos e determinações. O que existe é lucidez resultante de questionamentos. Referenciar as próprias atitudes aos seus únicos e isolados desejos é uma forma de errar, destruir, quebrar continuidade relacional e assim ser culpado, errar não se justificando por patologias que desculpam seus atos.

A busca de bodes expiatórios é sempre uma forma de neutralizar o que se considera pecado, de se desculpabilizar, de se transformar em vítima. É frequente saber, por exemplo, que torturadores se sentem vítimas de regimes autoritários, por isso torturam; tanto quanto filhos que são abusados, que são vítimas de pais abusadores, por esse motivo se sentem justificados em abusar de seus filhos, como se a sequência de horrores pudesse ser justificada. Optam pelas justificativas, evitando questionamentos transformadores, desse modo reduzindo seus comportamentos a determinismos causais.