Gilles Deleuze dizia que “simulacro é um sistema no qual diferentes se relacionam com diferentes por meio da própria diferença”; não esquecer que, para ele, diferença e repetição explicam muitas coisas, sendo inclusive o tema de sua tese de doutorado, trabalho no qual inúmeros simulacros são abordados.

O significado clássico de simulacro é encontrado nos gregos. Para eles simulacro é a representação da pessoa, do indivíduo. É o ídolo, é a imagem que imita.

Simulacro é a cópia que pode incluir o idolatrado ou cultuado, e graças a isso as diversas fés religiosas se propagam. Ícones, representações, cópias e criação de ilusões se constituem em simulacros. Atualmente, simular é criar representação do que vai acontecer. É uma poderosa ferramenta para controle de variáveis. Simulacros são o estofo dos planos B, das saídas de emergência, são as estratégias a serem construídas e mantidas. Quando Deleuze diz que simulacro é um “sistema no qual diferentes se relacionam com diferentes por meio da própria diferença”, ele afirma, ao mesmo tempo em que rompe, a clássica definição grega. Ser repetição, ser cópia, é ser igual, tanto quanto é ser diferente.

As reproduções são cópias que só subsistem quando inseridas em contexto de comparação. Seres vivos são reproduções e, entretanto, não perdem a característica de originalidade. Jamais se diz que o filho do homem é cópia do homem. As identificações não expressam fissuras. É o inteiro que se mostra. Nesse sentido, a totalidade se realiza sem edições fragmentadoras.

As cópias implicam sempre em algo ou alguém que copia, daí a invasão de outras realidades no processo. Os simulacros são mais frequentemente usados para causar ilusões. É o como enganar, o como imitar e copiar que incentiva a utilização do simulacro. Hoje em dia tudo é imitado, mesmo famílias e relacionamentos afetivos já podem, por exemplo, ser alugados no Japão. Simula-se tudo. Na avassaladora ganância dos mercados capitalistas, por meio de commodities, tudo é simulacro, as resultantes das ilusões do ganho são o cotidiano dos seus produtores e assim o café é comprado pelo mesmo preço por quem o planta no Brasil, na Colômbia ou Etiópia e por quem o consome nos Estados Unidos, Paris ou China.

A vida realizada no depois, na expectativa de vencer, é um simulacro. É o esforço utilizado para manter ilusão que sustenta sistemas alienantes, mesmo que estabelecidos na própria família. O familiar se torna estranho quando estribado em objetivos a atingir. As famílias são invadidas por demandas a elas alheias, e assim seus cotidianos passam a ser imitação de certas comunidades religiosas ou até mesmo políticas.

É comum, nos processos terapêuticos, melhoras serem simuladas na esperança de que o que se aparenta seja o que existe. Esse anseio é fruto da vida de aparência. Nesse referencial o importante é repetir, fazer de conta, copiar.

A sociedade, estruturada em códigos e regras de bem estar e sucesso, pela competição e avaliação entre indivíduos geradas por diferenças econômicas e sociais, também se espelha na imitação, na cópia. Os simulacros do bem viver são utilizados e alimentam as redes sociais, os programas de televisão, assim como os relacionamentos familiares e de amizade. O importante é parecer, não é ser. O que se dissimula e esconde não aparece, e essa é a grande ilusão seguida pela maioria das pessoas. Esse processo da busca do sucesso social cada vez mais engana e ilude, criando psicopatas. O engano tudo invade, a mentira é a sacrossanta terra de todos. Aparência de democracia, de direitos admitidos são ilusões que frequentemente escondem absolutismos, privilégios e usurpação de direitos e possibilidades dos cidadãos. Acreditar em lemas, pseudo verdades, fake news é não dispor de condições para discernir e entender processos. Cada vez mais tudo isso é manipulado, criando simulacros ou arremedos de melhorias, como os direitos humanos, a não distinção das etnias populacionais criando cotas saneadoras de diferenças, reivindicação de salários equânimes etc.

A motivação, o uso do outro, o engano é o que resulta da utilização e da crença no simulado: desde o arroz que se parece com o mais caro, até a produção de estilistas na qual algumas criações são feitas em seu próprio ateliê, enquanto a maior parte, para dar lucro, é copiada nos galpões e oficinas asiáticas! O recém saído da pobreza, que finge ser rico, o malévolo utilizador de mulheres e crianças, que se passa por bom moço, bom marido e bom pai, são simulacros que utilizam mecanismos de carência e de ilusão para atingir seus objetivos. Da cópia dos papers dos colegas, da utilização dos textos de outras pessoas são mantidos doutores e propagadores de enganosa honestidade e probidade intelectual. Plagiar, utilizar, despistar são as repetições que escondem as diferenças do que se quer aparentar. A fantasia, a utilização de drogas, lícitas ou ilícitas, são também uma maneira de simular felicidade e alegria, tanto quanto a polarização de interesses e motivações para os grandes dias: natal, carnaval, eventos nos quais se é obrigado a estar feliz, satisfeito, nos quais os simulacros a todos englobam.