O corpo movendo-se com consciência e sensibilidade e o espírito encarnando-se com beleza e retidão na sua expressão.

Quando estamos conscientes do movimento da vida em nós, a escuta sensível do corpo nos favorece com a expressão real do espírito. Sabemos ser o corpo a nossa única realidade perceptível, no entanto, sabemos também que ele não se opõe a nossa inteligência, aos nossos sentimentos e aos nossos espíritos, do contrário, ele os inclui e dá-lhes abrigo. Tomar consciência do próprio corpo, portanto, é ter acesso ao ser mais íntimo, onde o corpo e o espírito representam não a dualidade do ser, mas a sua unidade. Alcançamos dimensões profundas e sutis enxergando o portal aberto para este ser que percebe o sensível e que ousa perceber-se inteiramente. A falta de plasticidade e receptividade da matéria tem de ser substituída por uma organização detalhada, que seja ao mesmo tempo precisa e abrangedora. Nesta organização, não se deve esquecer a interdependência e a interpenetração de todos os domínios do ser.

Esse é o Mapa do estado de ser incorporado por aqueles que vivem a integralidade do corpo com o espírito. Uma organização precisa e abrangedora que nos instiga compreender como se dá essa relação do corpo com a energia que o faz mover, esta interconexão diretamente proporcional ao movimento ascendente do ser nas suas diversas dimensões do sentir pensar e agir. O movimento humano traduz a maneira de ser do indivíduo no mundo. Do corpo ao espírito, do espaço à forma, do ritmo ao movimento, da ação a eutonia precisamos do nosso corpo sempre consciente do seu poder de totalidade. Aquele que já se libertou das limitações com a forma, exerce qualquer ação que seja a partir dessa plenipotência da sua presença de espírito. Antes de qualquer ação e desempenho, antes de toda entrega e assimilação, devemos provocar a presença espiritual, assegurando-lhe por meio do exercício da prática, incorporar um caminho de consciência no ser a partir do movimento, este que une o corpo ao espírito.

Nesse complexo vibrante de matéria e energia somos capazes de saber até que ponto utilizamos o corpo em consonância com o espírito rumo à sua totalidade. O corpo consciente nos dá margens para fazer do nosso ofício uma ferramenta de auto-análise, transformação e manifestação. Deixando que a nossa experiência vire prática, utilizamos o corpo como mapa de uma vida dominada externamente, para uma vida escolhida internamente, adquirindo habilidades para lidarmos com o desconhecido e ampliarmos a consciência de nós mesmos. Tornar-se consciente exige resistência. É algo extremamente desafiador, e muitas vezes doloroso, avaliar nossas próprias crenças e nos separarmos daquilo que não apóia mais nosso crescimento. É através do autoconhecer que acessamos informações sobre o que acontece fora e dentro de nós mesmos, sendo importante todavia, descobri-lo, senti-lo, conhecê-lo em sua força poder para obtermos contato mais verdadeiro com o todo, livrando-nos de um corpo descontrolado, neurótico, completamente desfigurado e que nos afasta de nós mesmos.

Amputados do que têm de melhor, há corpos que se aborrecem quando se movimentam. O exercício torna-se então, a expressão da procura de um acordo total, de uma nova maneira de viver o corpo sem separá-lo do espírito. O trabalho do corpo consciente contudo, não fica limitado apenas ao físico. Sensações e razões comportamentais permitem-nos manter bem a casa onde o espírito está ancorado e a mente habitada. Sendo atributo da própria consciência, o espírito aqui, diz respeito ao mundo subjetivo que por sua vez refere-se às suas próprias razões. Passamos a vida fazendo malabarismos com as palavras, para que elas nos revelem as razões do nosso comportamento. E que tal se, através de nossas sensações, procurássemos as razões do próprio corpo? Na busca desse resgate, aspiramos um caminho que enfaticamente nos coloque em contato com o que está fora, mas também com o que está dentro, o que está embaixo na matéria, como também o que está acima, na sutileza do espírito. Uma pedagogia corporal sensível que nos move e nos faça repensar o homem consciente de si.

Mesmo se falamos de coisas bem concretas ou mesmo triviais, permanece dirigida a lembrança do Ser, que é algumas vezes bloqueada pelas memórias do corpo e do psiquismo.

De fato, é fora de nós que há mil movimentos, valores, sugestões e informações, forças e elementos complementares e contraditórios. Mas existe mesmo nessa dependência tão inteira - algo dentro que atua por si, algo profundamente seu, algo em seu interior que lhe destina a ser uma pessoa única, singular, um instrumento executor de determinação e missão únicas. Diretrizes estabelecidas por uma sociedade que nos distancia do nosso eu íntegro, impede-nos de realizar o que almeja o nosso ser total. Aspiramos por amplitude, espaço para atuar, um caminho que nos leve para além de nós mesmos, onde somos ao mesmo tempo caminhada e caminhante ou aquele que está caminhando para dar aos nossos atos sentidos de valores universais. A unidade vibrante na consciência e na vontade do nosso corpo, que impulsionados e determinados tenderão a encontrar no próprio ser, o ímpeto, à vontade de progredir, transformar e evoluir intensificando sua existência no mundo e cumprindo – a com precisão e prontidão, até porque quem não autoconhece significativamente, não consegue dar sequer o primeiro passo para ir adiante.

Ter um corpo consciente nas suas diversas facetas é um trabalho infindável do autoconhecimento, onde naturalmente deveremos saber acerca do nosso ser mais profundo e tudo que nele ocorre. Seguramente precisaremos saber como interagem esses nossos aspectos para compreendermos como a experiência deve ser vivida no corpo. Assim, toda ação se converte num empurrão para adiante, um guia rumo à compreensão de nós mesmos. Um convite à integralidade que procura expressar e refletir o mistério da existência, dando-nos segurança subjetiva para exploração do nosso próprio mundo, nosso próprio corpo. Trata-se do despertar das suas faculdades latentes, mas quase sempre escondidas no mais profundo dele mesmo, aniquiladas por circunstâncias frustrantes. Todo ser é capaz de uma coordenação instintiva dos seus movimentos e cabe -nos fazê-la renascer. Ora, não se atinge o instinto pela razão. Será preciso achar outra linguagem.

Entendemos por Lei, a dinâmica de uma energia quando ela se revela. Através dessa dinâmica manifesta-se uma lei, seja ela de movimento, de espaço, ou da própria forma. Isto significa dizer que se reconhecemos os nossos possíveis processos corporais na sua totalidade, saberemos o que pretendemos comunicar e chegaremos ao conhecimento aprofundado de nós mesmos, das leis da vida e do viver. Toda educação do corpo deve começar no momento do nascimento e continuar por toda a vida. Nunca é cedo demais para começar, nem tarde demais para continuar. O nosso compromisso é com a intenção e a finalidade dos movimentos sentidos e ações pensadas na sua realização, sempre com o propósito voltado para a auto descoberta e ascensão do ser. Sustentamo-nos na relação de força entre o real e o simbólico, associando conhecimento com experiência praticada.

O caminho do movimento consciente investiga a reconstrução do corpo expressivo que manifesta a ação pensada e sentida, já que fazer ciência com consciência é integrar conhecimento e espiritualidade para compreensão do verdadeiro eu. Há um ponto sobre o qual nunca é demais insistir. É que é indispensável que compreendamos o que fazemos e porque fazemos, baseados nas leis da estética do movimento. A espiritualidade em sua forma genuína é dimensão legítima e importante da existência. São experiências vividas diretas com o movimento das dimensões ocultas do indivíduo com o cosmos, dimensões da existência dentro e fora de nós, onde tudo que existe está contido num espaço, possui ritmo e formas diversas de manifestação. Do espírito entendemos ser aquele impulso, o ímpeto que parte do centro do ser, o ponto de equilíbrio que movimenta a ação da beleza, da estética, da moralidade do ser universal. Da alma, essa energia que encorpada liga a ação do espírito à ação do corpo físico, uma forma específica materializada no movimento.

Quando penso que sou inútil, meu peito se contrai e minha cabeça tende para frente. O corpo nunca mente.

Se corporalmente somos subdesenvolvidos, isto se dá porque realmente não conhecemos o todo de que somos formados, da matéria provável e do espírito inexplicável, conseqüentemente não poderemos compreender experiência alguma sem antes vivenciá-la dentro da própria consciência destes dois campos, o físico e o espiritual, existentes nas leis do movimento e na beleza das ações. O desconhecimento profundo de si, esse afastamento das leis tem gerado prejuízos à nossa harmonia, pois compreendemos que uma mente capacitada e ágil sente-se constrangida num corpo subutilizado que se movimenta desajeitadamente e respira incorretamente, abrindo-nos para a compreensão de que todo desequilíbrio do sistema humano é resultado também da vida da alma inibida, distanciada do sopro criador. O funcionamento defeituoso do instrumento corporal acarreta compensações que deterioram o físico e repercutem imediatamente sobre o caráter do indivíduo, reforçando sua timidez, sua inibição, a falta de jeito, o desencorajamento. A boa forma física, a prática da consciência corporal, o corpo consciente na sua totalidade, nos dá o poder de usá-lo com propriedade e habilidade liberando-o das diversas tensões e promovendo o seu equilíbrio. Se o corpo não funciona bem, pode ser um sinal de que outras partes de nós estão necessitando de atenção.

É justamente nesse momento de atenção plena aos nossos movimentos que podemos perceber a magia da vida, esse impulso, o sopro criativo que nos diz onde está o eu de Deus neste corpo consciente. Isso significa que se atentos ao momento da ação percebemos a unificação. Essa atenção consciente também nos permite curar qualquer desconforto deste conjunto humano. Sim, somos nosso corpo, mas como parte integrante de uma totalidade pessoal cujo centro de consciência e ontológico ultrapassa as capacidades estritamente corporais. resta a opção, ora metodológica e clínica, ora metafísica e religiosa, concedendo ou reconhecendo preeminência ora ao corpo, ora à mente capaz de se tornar espírito. Citamos a magia como o ato criativo da vida, desta comunicação entre o corpo e Deus, e buscamos razões e sentimentos vasculhados na espiritualidade, como traços essenciais para a subida do caminho e o desvendamento de novas realidades.

Esta magia nos ajuda a compreender que o universo físico não resulta apenas do poder original da vida atuando sobre a matéria, resulta antes do poder da vida atuando sobre nós mesmos. Desta forma, certamente as nossas crenças e atitudes alterarão a freqüência das nossas células corporais e da integridade do nosso sistema energético comunicador, nascendo desta relação a nossa finalidade comum para estarmos vivos neste contexto do movimento também do espírito, ou do nosso verdadeiro poder criador. Essa magia encontrada na própria raiz da existência humana, criando simultaneamente um senso de fraqueza e uma consciência de força, um medo da natureza e uma habilidade para controlá-la, essa magia é a verdadeira essência da arte.