No auge da não aceitação de si mesmo o indivíduo se dedica a se criar diferente. Constrói imagens que escondem a considerada feiúra, ou busca riquezas, e assim formata aparência garantida por status.

Criar um novo corpo, por exemplo, a fim de superar vergonhas e inibições decorrentes de suas características biológicas existentes ao nascer cria equivalentes pigmaleônicos.

Mas Pigmaleão — o Rei escultor que se apaixonou pela estátua que fizera na tentativa de criar uma mulher ideal, sem “defeitos” físicos ou morais, e de acordo com suas expectativas de perfeição — era, em relação à estátua, um outro; era o outro criador.

Até mesmo nas atualizações dessa lenda antiga, quando se chama de Pigmaleão o homem culto que transforma uma mulher popular em mulher refinada, existe também aí o outro que transforma.

Quando se é Pigmaleão de si mesmo não existe um outro responsável pela criação, e para que essa exista é necessário uma divisão; só pode criar se dividindo e por isso também nega e fragmenta sua própria estrutura. Esse processo despersonalizador enfraquece, pois mutila, poda e dirige para outros referenciais as próprias imanências constitutivas. Mas transferir imanência é impossível, é o canibalismo destruidor; não se pode comer a própria boca, por exemplo.

A busca do impossível é onipotência jamais realizada, porém aplaudida e satisfeita pelo próprio anseio e dedicação. Para este indivíduo é o fato de querer o impossível que o distingue do que considera meio sórdido, do que apresenta convivências e participações para ele sem sentido. Diferir dos semelhantes ou dos iguais é o objetivo para se destacar.

Ser o outro que deseja e aspira ser traz prazer, satisfaz. O pulo no escuro é animador. Cair, constatando que o que se é tem que ser escondido, desespera tanto quanto faz tudo recomeçar. Essa polaridade entre ir e vir em torno do próprio eixo asfixia, entristece, faz perder os planos, os projetos. Não se consegue continuar andando sem que seja apoiado, amparado. Essa demanda enche as clínicas psicoterápicas.

Psicoterapias e ajudas médicas são procuradas com o objetivo de esconder os problemas, fazendo com que eles não apareçam, não prejudiquem o desempenho. Proliferam calmantes, psicotrópicos, psicoterapias, orações, grupos de ajuda que tudo fazem para que os sonhos e desejos gerados pela despersonalização e não aceitação sejam mantidos.

Sobreviver é a solução buscada e assim cada vez mais o ser humano é despersonalizado e negado em sua condição de realização humana, de humanidade.

Virar massa de manobra, ser bem sucedido ou ser mal sucedido, geralmente é uma forma de adaptação descaracterizadora da liberdade, da autenticidade enquanto trajetória do ser-no-mundo com amplas possibilidades.

O ser humano não é uma máquina, ele é um potencial de inúmeros referenciais que podem situá-lo ou esmagá-lo.