No afã de realizar suas necessidades de sobrevivência e seus propósitos de tranquilidade, que em geral são vivenciados como não ter problemas, o ser humano se adapta ao que está em sua volta, mesmo que isso o aniquile como indivíduo. Esse é um processo de submissão ao que maltrata para conseguir sobreviver.

É o que acontece, por exemplo, quando o indivíduo se torna membro atuante de algum sistema ditatorial ou autoritário. É, no cotidiano, perceber o outro como praga inimiga a fim de, colecionando escalpos e satisfazendo autoridades, ser promovido, ser o braço direito do chefe, ser bem posicionado no sistema que tortura e mata. No nazismo - à época de Hitler - essas situações eram mais que frequentes. Estar envolvido em ações que resultavam em destruir, em denunciar era, para essas pessoas, a maneira de triunfar, de vencer na vida e ter sucesso. Se adaptar às atrocidades desumanizadoras era uma maneira de sobreviver. Pensavam seu dia-a-dia como situações nas quais escolhiam entre matar ou morrer.

Quando os limites do existir, do coexistir se reduzem a contrários, a antônimos, a razão e desrazão, o comportamento passa a ser caracterizado por se adaptar ou morrer.

É a lei das gangues assassinas, é a regra de matar e matar, é a adaptação que faz sobreviver sem questionamentos, sem contestações.

Na diversidade, no colorido de costumes e nações, às vezes não sobra espaço. Colocar o pé no chão só é possível se o espaço não estiver ocupado por outro pé. Essas superposições obrigam a lutar e a disputar. Quando não se percebe as forças redutoras que diminuíram o espaço, se luta por ocupar o mínimo ao invés de tentar enfrentar os redutores do mesmo. Nessas vivências, o que se busca é matar para não morrer, é adaptar para não ceder, sem que se veja que esse processo já é mortal e desadaptador.

Acontece que o outro é o próximo, é o semelhante. Frequentemente ele está coberto, escondido por rótulos nos quais o que se lê é: estranho, nocivo, ruim. Ao constatar ação, ao verificar movimento do envelopado e assim apresentado, mata-se o outro, promove-se antecipada destruição do humano, criando os bodes expiatórios, os inimigos, os que devem ser rechaçados. Adaptando-se às rotulagens, aos padrões discriminadores, criam-se hordas, exércitos de salvação, rebanhos adaptados e controlados por lideranças que apenas desejam reinar, mandar, ter poder. O resultado final desse processo é o encontro de situações às quais não se deve sobreviver quando prevalece um mínimo de lucidez e questionamento, ou ainda, são aquelas situações confortáveis, adaptadoras que causam depressão, morte e desumanização.

Jean Cocteau exemplificou bem:

Ambientes diversos demais são nocivos ao sensível que se adapta. Era (uma vez) um camaleão. Seu dono, para proporcionar-lhe calor, colocou-o sobre uma manta escocesa colorida. O camaleão morreu de fadiga.

De tanto mimetismo, na diversidade das cores, esgotou suas possibilidades - morreu.

Deixar de ser o que se é, de acreditar no que se acredita para ser aceito ou para sobreviver, é uma maneira rápida de ser destruído e despersonalizado.