As cores da morte são em geral associadas ao preto, ao roxo (caixões de defuntos e outros paramentos de velórios costumam ser ornados com a cor roxa), mas ninguém nunca pensou que a morte pudesse vir vestida em uma ‘túnica’ branca, do branco mais alvo de que se possa imaginar.

Um episódio recente ocorrido no interior do Sudeste do Brasil, consequência das baixas temperaturas, foi o fato de que lavouras inteiras de café - elas representam o cartão postal do Estado de Minas Gerais - amanheceram cobertas por uma fina camada de cristais de gelo, mais conhecida como “geada”1 . É como se a lavoura se cobrisse de repente de um lindo manto branco. Aos turistas desavisados, isto talvez possa representar um encanto natural ou um brinde onde as temperaturas não costumam atingir patamares tão baixos, mas os produtores da região já sabem o que a geada representa: ela vem trazer danos para o cafezal e prejuízo para o seu bolso, já que um efeito das baixas temperaturas é o congelamento das células das plantas, as quais são rompidas e com a ação do sol do meio-dia todo aquele espetáculo verde-folhoso se transforma em um cenário amarronzado com árvores cobertas por folhas secas. Assim, muitas lavouras foram queimadas abruptamente num intervalo de 12 horas abortando uma safra que seria promissora com a chegada das chuvas da primavera e em alguns casos, matando literalmente lavouras inteiras.

O agricultor está consciente de que possui uma “empresa” a céu aberto e que está sujeito às adversidades climáticas, sendo que a probabilidade de prejuízo financeiro em seu negócio é alta.

Todo este episódio se constitui em fator de aprendizado e nos ajuda a refletir sobre a manifestação dos eventos da natureza e da vida em si.

A primeira e imediata constatação é que assim como o fogo queima, o gelo também o faz, resultando em um cenário de destruição e morte. Observamos então que na natureza os extremos representam situações de perigo que podem levar à morte. Precisamos, pois, ficar atentos para se possível, evitar ou minimizar os danos.

Podemos aprender sobre os efeitos de nos submetermos a situações extremas na vida e também que os significados das experiências podem ter sentidos múltiplos, sendo que aquilo que é previsível, certo e esperado nem sempre acontece, podendo escapar a todas as previsões das leis das probabilidades. A imagem da faca de dois gumes talvez seja o que melhor caracterize a natureza dos fenômenos que enfrentamos no planeta Terra: ela indica que algo tem consequências boas e ruins ao mesmo tempo.

Assim, o preto se apresenta mesclado com o branco, sendo que seus significados não são estanques e muitas vezes nos confundem. No caso da devastação que a geada trouxe para as lavouras mineiras, isto elevou sobremaneira o preço do produto, o que fez com que continuar investindo no cultivo do café continuasse sendo um excelente negócio, muito embora o risco envolvido.

É fato que o negro nem sempre é sinônimo de morte ou o ambiente propício para os fantasmas e ‘almas de outro mundo’ se manifestarem. Quem já sofreu acidentes oculares sabe que nossa retina necessita de total escuridão para se recuperar/regenerar. Da mesma forma, quanto mais escuro estiver, melhor para nosso sono e nosso repouso.

Por sua vez, o branco nem sempre representa a vida, a paz, a pureza. Muitas vezes a morte nos surpreende em plena luz do dia.

Observamos ainda na natureza que em meio a uma paisagem ressequida e amarronzada no rescaldo do inverno, pari passu aos ventos uivantes do mês de agosto, bandos de periquitos não deixam de fazer sua algazarra e nem a seriema emudeceu seu canto. A vida continua pulsando em altos brados.

Na estação do inverno é quando alguns animais hibernam e as plantas entram em dormência para renascer na primavera. Neste caso, seres vivos parecem estar aparentemente mortos, mas na realidade entram em um determinado tipo de sono e/ou paralisia de atividades para poupar suas energias e acordar revitalizados para um novo ciclo de vida.

Assim, a natureza funciona perfeita e maravilhosamente. Os fenômenos da mesma que em seus efeitos em nossa vida nos deixam muitas vezes sem chão – geadas / tornados / chuvas torrenciais / secas prolongadas / inundações - também têm um propósito e um sentido que obedecem à grande Lei Universal, que nos obrigam a buscar energia para reconstruir e recomeçar. A natureza também nos ajuda a lapidar nosso ego remetendo-nos à nossa pequenez e ao limitado alcance do nosso poder, já que diante das forças da natureza nos tornamos na maioria das vezes impotentes.

Em nossa luta cotidiana buscamos e queremos a segurança dos significados estanques, mas tudo que encontramos é a insegurança e a incerteza do que pode ser, mas também não ser. Caminhamos, pois, no fio de uma navalha.

A vida sempre nos surpreende. Tanto positiva quanto negativamente.

Somos levados então a aprender a domar e/ou lapidar nossos sentimentos e ao mesmo tempo ouvir o que diz o nosso bom senso e nos deixar guiar pelo produto desta alquimia que se processa em nosso interior. A morte abrupta de uma lavoura assim como a de um animal de estimação ou de uma pessoa, pode nos trazer uma profunda comoção e dor face às perdas envolvidas. Precisamos aprender, entretanto, que estamos todos ‘vivendo perigosamente’ e que tudo pode acontecer a qualquer hora / a qualquer momento a despeito dos nossos afetos ou dos nossos investimentos.

Em geral nossos sentimentos, a princípio intensos e avassaladores, costumam arrefecer em consequência do processo de elaboração.

Quando se trata de um negócio, mesmo para aquele que tem uma empresa a céu aberto, é importante pensar em estratégias de prevenção para minimizar prejuízos em situações adversas e estar sempre atento para aprender com a experiência.

Quando se trata da perda de um ente querido, situação bastante frequente em tempos de Covid-19, devemos sempre nos lembrar da transitoriedade das coisas e que nada é para sempre, nem mesmo nossos mais caros objetos de afeto.

A vida nos leva sempre a um novo aprendizado e a subsequentes e novas tentativas de readaptação, mesmo diante do episódio mais terrível, ao qual julgávamos ser incapazes de sobreviver.

Um tanto confusos e titubeantes ante as aparições do preto ou do branco, há uma chama que norteia o nosso caminho e esta nunca deve se apagar: a chama da esperança.

A esperança não tem duplo sentido. Ela nos mantém de pé e fortalecidos. Farol que nos guia na busca de um sentido para a vida e no enfrentamento das adversidades.

Nota

1 Segundo Ana Carolina Alves Gomes, analista de agronegócios do Sistema Faemg - Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais -, a ocorrência de geadas depende da combinação de fatores como temperatura baixa perto de 0 o C, céu aberto e ventos calmos. Dependendo da queimadura ocorrida, algumas plantas vão precisar de poda, outras de procedimentos mais extensos. Em casos mais trágicos, toda a planta é arrancada.

Referências

Geada: O que é, como se forma e por que ela tira o sono dos agricultores. Valor econômico - Agronegócios. Por Leonardo Vieceli e Katna Baran, Folhapress - Rio de Janeiro e Curitiba. 29/07/21.