Geralmente é muito informativo e ampliador se deter na etimologia das palavras que se está conhecendo, percebendo ou definindo. A etimologia é a base, o contexto a partir do qual as palavras evoluem, trazendo, consequentemente, sua história, sua trajetória transformada ao longo das culturas e das épocas. Abstração, por exemplo, é uma palavra que expressa o processo no qual as ideias são distanciadas dos objetos. Quando lembramos que em latim abstractum é particípio passado de abstrahere e significa "destacar, afastar de" ou "puxar fora", ganha mais sentido e se torna perfeito o significado de abstração enquanto apreensão de totalidades implícitas e configuradoras de processos. Isso ocorre em todos os níveis da percepção, do pensamento humano, em qualquer contexto relacional, seja ele científico (conceito), seja técnico (apreensão das relações configurativas dos processos mecanizadores e de suas funcionabilidades) e também artístico (as cores informando diversas densidades da expressão do que se deseja mostrar, ou criando os espaços, ou os traços substituindo, mantendo arquivos). As pinturas rupestres com suas figuras insinuadas, a linguagem digital com seus emojis, por exemplo, reconstituem histórias e possibilitam caminhos e direções. Nos relacionamentos familiares, afetivos, o arquear de sobrancelhas, o olho enviesado muito exprimem. É o abstrato que reconfigura, é o silêncio eloquente, o falar emudecido que grita e explica.

Para abstrair é necessário se afastar. Esse destacar é sair do denso, das configurações explícitas esgotadas pelos seus limites sinalizadores. Quanto mais seguro - preso ao que está aí assim diante de si - menos condição de abstração. É essa característica do "ir além do dado", de afastamento do contingente e circunstancial, que ancora a abstração no reino das artes, da pintura principalmente. Foi também esse não se deter no considerado real como sinônimo de denso, causal e explícito, que empurrou a abstração para o domínio do símbolo e da poesia, levando-a assim a algumas vezes ser entendida como "subjetividade explicitada" e símbolo de realidades nomeadas.

Abstrair é uma constante em nosso cotidiano. Sem abstração, sem esse afastamento, sem essa separação do dado apresentado, nada seria compreendido, salvo as constantes sucessões de causa e efeito. Viver, compreender se transformariam em meras conclusões de causas que geram efeitos, em mecanização ou automatismo presidindo todos os processos. Seria como a humanidade estar agarrada, presa ao que acontece, sem possibilidade de questionamentos, como o aprisionamento resultante dos que se agarram a um lado do cabo de guerra, se prendendo na evidência, no que acontece. Estar de um lado, estar do outro lado, nada definem tampouco situam ou excluem, apenas expressam aprisionamento a causas e efeitos, que não passam de aspectos, consequentemente, parcializações dos processos. Abstrair, destacar e separar das contingências e limites faz logo perceber que a causa de X é o efeito de Y, e que o mesmo pode ser resíduo fragmentário de somatórias anteriores.

Pensar não é acrescentar ou subtrair exemplos e explicações. Pensar é dar continuidade às constatações e inferências. Avaliações, QUIZ ou listas são apenas resumos, não são a totalidade que pretendem sinonimizar. Ao criar o círculo vicioso ficamos presos sem saída e assim sem possibilidade de abstração, consequentemente de entendimento do que acontece, do que ocorre. No processo criativo, abstração é uma atitude fundamental para sair da mecânica repetida pela adição, pela soma de dados lançados no pódio das realizações. Atado, aprisionado, sem se separar do que ocorre, não se cria, apenas se repete, apenas se sobrevive.

Abstração, esse destaque e separação dos dados densos, situacionais é o que permite transcendência, existir enquanto ser-no-mundo sem se prender na tessitura do familiar, nas redes dos circuitos estabelecidos. A humanidade evolui quando abstrai, quando transcende. O simples plantar e coletar foi transformado, ampliado quando se percebeu que isso dependia do sol e da chuva, por exemplo. Entender o ciclo natural das estações chuvosas e das secas foi orientador de como trabalhar a terra, sementes e colheita. Esse processo, que faz destacar a causa de plantar semente e o efeito de nascer planta foi a apreensão das relações configuradoras de todo o processo, sem estar preso ao dado inicial - plantar - e ao final - colher. Sair da linearidade, da contingência, separar, destacar faz ter ideias, pensamentos distanciados dos densos aspectos que os detinham e aprisionavam.

Perceber-se como detentor de inúmeras necessidades, delas conseguindo se soltar, se afastar, amplia cada vez mais as possibilidades individuais. Estar no mundo com o outro pode ser limitador, contingente, tanto quanto integrador, transcendente. Abstrair é se destacar, se soltar de qualquer limitante. A própria ideia de Deus, de absoluto como algo diferente do que se vivencia e procura é a desesperada ambição de se agarrar ao que não é denso, não é objetivo, mas que precisa ser atingido pela fé, pela esperança, pelas orações, amuletos e expectativas. Abstrair é tirar os anteparos que impedem a configuração globalizada do que está aí, do que se evidencia enquanto processo. Acompanhar essa configuração processual é entender, escutar toda explicação do que se dá, do que se evidencia, do que acontece. É não cair em maniqueísmos, em polarizações redutoras de processos. As ciências, as artes, nosso dia a dia a todo momento nos fala disso. Vida é abstração, é superação, mudança, separação transformadora.