Viver dedicado ao que se ama ou ao que se deseja pode ser uma decorrência do estar voltado para esse encontro, essa descoberta, essa base, esse objetivo, tanto quanto pode expressar a obsessiva busca de realização, compromisso e vitória. Buscar atingir o que se deseja é sempre um comportamento resultante de motivação que pode expressar preenchimento de vazio, de insatisfação e de ambições. Desejar esvazia, pois ao lançar o indivíduo no futuro, nas suas expectativas de realização, o arranca de suas bases, de sua realidade. Não viver o próprio presente, a própria realidade configuradora de insatisfações e satisfações exila da realidade, do contexto vivencial. Estar exilado, destacado do que o define, situa e contextualiza é uma maneira de cortar raízes, tirar bases, de ser descontinuado. Ápodo, só lhe resta flutuar em função das circunstâncias magnetizadoras. Esses polarizantes são determinantes de regras e padrões obsessivos, itens necessários a preencher para que se consiga atingir os objetivos. Todo um caminho para o sucesso é traçado e explicado. Só resta adquirir força e condições para percorrê-lo.

O desprendido - ou desapegado - e o ambicioso partem do mesmo contexto, do mesmo ponto, da mesma realidade, diferindo apenas em função do que os detêm ou impulsiona. Ser detido pelo que se percebe, se vê, ou pelo que situa - o presente - é integrador, permite constatação e aceitação, estrutura possibilidade de transformar e motiva. Por outro lado, quando a vivência do presente, da própria realidade é considerada lesiva, desagradável - pois outros contextos, temporalidades interferiram - o indivíduo passa a se estruturar por valores de bem/mal, confortável/desconfortável, e assim, nessas aderências ele passa a flutuar buscando apoios, bases que permitam realizar seus desejos, ambições de nova vida, novas oportunidades que substituam tudo que considera ruim e pouco. Desse modo, não pode ficar solto, a espontaneidade ameaça, é preciso superar o que não aceita, viver em outra realidade.

O estar voltado para o futuro, para o depois, para os desejos e ambições, esvazia, desumaniza, tanto assim que cria ilusões, geralmente ampliadoras dos pequenos mundos que emparedam. Viver o depois deprime, pois transforma o ser humano em uma máquina executora de tarefas, desde o exercício das responsabilidades familiares às realizações e vitórias sociais. Nesse contexto, estar disponível é uma condição rara, apenas existente em poucos momentos, pois o compromisso, as regras engessam e exigem cuidado e observação constantes. Compromissado, o contexto de atuação é caracterizado pelo medo diante de tudo que o cerca.

Nada é garantido, tudo ameaça e é necessário tempo para realizar as ambições. São inúmeros os sintomas que caracterizam a obsessão, seja insegurança e medo ou rigidez e vazio, ambição e metas, eles sempre denotam a não aceitação do presente e a necessidade premente de ter onde se apoiar: tudo ameaça e o comportamento obsessivo gera uma ilusão de segurança, eficiência e controle frente às múltiplas variáveis, pois, inibindo participação pontualizam os relacionamentos que passam a ser mantidos apenas em função da variação funcional e neutralização de imprevistos. A obsessão, assim, cria ou amplia um fosso entre o indivíduo e seu mundo, constante atrito diante da inevitável impermanência dos processos, tanto quanto a expectativa de que dinheiro ou sorte, eficiência ou prêmios, além do reconhecimento dos esforços e sacrifícios, tudo soluciona.

A obsessão aprisiona, o medo esvazia e o tédio, a mesmice é o que resulta do presente negado, da vida adiada. Alegria, descoberta, novidade só existem enquanto presente, em si mesmo vivenciado, esgotado. Ser detido pelo que ocorre é revelador. É o êxtase da descoberta, da espontaneidade, do estar na própria pele, seguro pelos próprios pés. Essa apropriação do corpo unifica, universaliza o estar no mundo. É o fazer junto, participar do que se vê, do que se percebe, sente, decifra, aprende.