"É incapaz de experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se ex-põe".
Jorge Larrosa

No livro de E.L. James deparamo-nos com um sujeito que se ex-põe. A personagem feminina, ávida de conhecimento e prazer: Anastasia Steele.

Se só se é a partir da experiência, grande parte dos seres humanos não é sujeito, antes, indivíduo que se põe, se opõe ou se impõe à vida, mas não se ex-põe a ela como de fato se expõe aquele que ousa viver a vida a seu modo de sentir, de ser, de acreditar, de usar-se e ousar-se a passar pela experiência de viver expondo-se, com tudo que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Assistimos, no caso de As cinquenta sombras de Grey a uma incursão na transgressão, no proibido e sobretudo na violência do erótico consentida por Amor ao Outro. Aprisionada por Grey e pelas suas fantasias, Anastasia luta contra si própria, acabando por ceder a múltiplas alteridades que engravidava em si cada vez que Grey invadia o seu território.

Cativa porque cativada, prazer e dor desfronteiriçam-se e o conflito instala-se.

Retomamos a escrita como força demolidora de valores ultrapassados, como forma de dessacralização de certas morais, de certas formas de viver a sexualidade e a sensualidade. É preciso deixar-se envolver, enamorar-se de certos jogos eróticos, é preciso viver a escrita e deixá-la viver como força dominadora, com seus efeitos de sentido, como dona de si mesma através do seu exercício musculado e inscrito numa sintaxe de prazer. A escrita apodera-se da mão do escritor e coloca no papel seus fantasmas e anjos mais negros.

O sujeito experiencia o sofrimento como forma de prazer. De certa forma, exercita o próprio corpo do autor. Esse exercício é, via de regra, o viver em um corpo e sentir-se seu dono. Descobrir-se a si mesmo como um sujeito que realiza seus desejos. Esse sujeito que pode ocupar variados lugares e posições nesse eterno constituir-se num corpo como mapa cultural, tatuado de memórias e muitas desvairadas gentes. Ora sob determinadas proibições, ora fugindo delas, ora enfrentando-as e padecendo por isso; padecendo por assumir-se, por não calar-se e apegar-se ao corpo como forma de vida múltipla, entre guerra e paz; luz e sombra.

O corpo, afinal, sempre foi aquilo pelo que se busca poder e domínio. O corpo do outro que pode ser apoderado para finalidades mil. Pensa-se assim em corpos dominados e subjugados por outros. Ao longo da História da Humanidade; ao longo das pequenas histórias da História.

Talvez possamos falar em exercitar-se para o prazer enquanto satisfação de si independente do outro. Conhecer-se para dominar e, consequentemente, ser a força que comanda, afinal, o que mais o dominado quer senão ser o dominador? Relembremos A Fera amansada, de Shakespeare. No livro das cinquenta Sombras, ambas as personagens poderiam ter ido na direcção da luz, após as trevas, todavia não há indícios de bússolas, apenas desnorteamento!

Se essa força luminosa, a consciência solar não pode existir sem resistência, sem o vazio da Lua; porque esse é o pulsar das coisas, dos seres; esse outro gume da faca para citar Fernando Pessoa, é o que faz mover as montanhas e fará evoluir o Ser humano; há que abrir esse caminho, deixando pistas de luz…