No final da década de 1970, surge pela primeira vez a expressão “movimento punk”, que passou a ser utilizada para definir a transmutação da “cultura punk” em um movimento social mais definido e organizado, com o objetivo de contestar a política, a cultura e a sociedade. Sendo assim, a cultura punk passa a ser percebida como um conjunto de práticas, princípios e ideologias de uma organização ou grupo social. Atualmente, o conceito de movimento punk, mais do que estar atrelado à um grupo ou movimento, consiste em uma postura revolucionária individual apoiada na insubordinação aos costumes e preceitos gerais. Entre os componentes que representam a cultura punk, estão: o estilo musical, a moda, o design, as artes plásticas, o comportamento, as expressões linguísticas, os símbolos, entre outros. Inúmeros movimentos, desde então, tem como gênese a cultura punk. A influência do movimento punk, junto com altas doses de saudosismo e um punhado de romantismo, deu origem a um movimento conhecido como “Steampunk”.

Antes de estabelecer-se, o steampunk era considerado um subgênero de um subgênero, tendo sua origem aludida ao cyberpunk, uma subdivisão da ficção científica que aborda universos paralelos futuristas. De forma mais apropriada, podemos descrever o Steampunk como um subgênero da ficção científica ou fantástica, que incorpora tecnologia e desenhos estéticos inspirados, em sua maioria, na maquinaria à vapor do começo da Era Industrial no século 19. Nas histórias do Steampunk, a tecnologia a vapor (steam, em inglês) não foi ainda ultrapassada, porém ela desenvolve-se mais do que todas as outras, enquanto a eletricidade fica em segundo plano. Os cenários das estórias são repletos de aparelhos mecanizados, de uso militar ou civil, envoltos por uma arquitetura cheia de estruturas metálicas e engrenagens. As estórias e a tecnologia real, teórica ou cinemática, tem como foco principal a Era Vitoriana (1837-1901) ou Eduardina (1901-1910), porém o gênero tem se expandido até para cenários medievais e de faroeste, incorporando elementos de fantasia, terror, ficção histórica, história alternativa, criando assim, um gênero híbrido. Com frequência, podemos encontrar influências lovecraftianas, ocultistas e góticas. Embora muitas das obras consideradas fundadoras do gênero terem sido publicadas nas décadas de 60 e 70, o termo “Steampunk” foi criado no final da década de 80, pelo autor de ficção científica K.W.Jeter, ao tentar achar um termo genérico para descrever o próprio trabalho, e o de escritores como Tim Powers e James Blaylock. O Steampunk tanto é influenciado, como adota o estilo de alguns autores de romances científicos do século 19, tais como: Jules Verne, H.G. Wells e Mary Shelley.

Além da literatura, o Steampunk refere-se a qualquer estilo artístico, moda e objetos que tenham surgido, predominantemente, de uma estética de ficção baseada na Era Vitoriana ou na Art Nouveau. De modo superficial, o Steampunk pode ser definido como “retrofuturismo”. Varios aparatos modernos tem sido transformados, por seus inúmeros apreciadores, em mecanismos pseudo-vitorianos ao estilo Steampunk. Assim, pode-se encontrar teclados de computador, guitarras elétricas, bicicletas e relógios projetados com elementos de design, artesanato e materiais inspirados na Era Vitoriana, como: latão polido, ferro, madeira e couro.

Uma das características mais marcantes do movimento Steampunk é a forma de vestir-se dos seus seguidores. Embora a moda Steampunk não tenha regras determinadas, ela tende a sintetizar estilos modernos com influências da Era Vitoriana, entre elas: espartilhos, vestidos, anáguas; ternos com coletes, casacos, chapéus altos, fraques ou vestuários com inspiração militar. Além disso, são adicionados acessórios tecnológicos e “de época”, como: relógios, guarda-sóis, óculos de direção ou de vôo e armas de raios. Já os equipamentos modernos, como telefones celulares ou tocadores de música, são adaptados para exibir uma aparência de objetos supostamente criados no período vitoriano. Uma outra abordagem da moda Steampunk é a chamada “pós-apocalíptica”, nela os seus adeptos usam máscaras de gás, roupas esfarrapadas e motivos tribais. Outras subculturas também absorveram aspectos da moda Steampunk acrescentando traços góticos, aristocratas ou neo-vitorianos.

Uma outra forma de expressão artística Steampunk que vem ganhando mais adeptos a cada dia é a música. Como há pouco consenso a respeito do tipo de som que a música Steampunk deve exprimir, existe uma enorme gama de estilos musicais e de interpretações no cenário musical apontado como Steampunk. Os estilos vão do industrial, folk rock, punk, punk cabaret, hip-hop, opera, darkwave ao rock progressivo. O vocalista da banda Abney Park, Robert Brown, definiu o som Steampunk como sendo uma mistura de elementos vitorianos e modernos.

O Streampunk nas artes

Na literatura, podemos encontrar diversos trabalhos importantes para o desenvolvimento do gênero, alguns publicados antes mesmo do termo “Steampunk” ter sido criado. Uma grande parte dessas obras ainda não possui tradução para o português. O conto "The Aerial Burglar" (1844) do escritor Percival Leigh é considerado o primeiro conto do gênero. Já o escritor Mervyn Peake, com o seu livro “Titus Alone” (1959), antecipou muitas das atuais representações Steampunk. Outros livros do gênero são: “Morlock Night” (1979) e “Infernal Devices” (1987) de K.W.Jeter; “The Anubis Gate” (1983) de Tim Powers; “Homunculus” (1986) de James Blaylock. Os escritores Keith Laumer com “Mundo Alternante” (1962), Ronald W. Clark com “Queen Victoria's Bomb” (1967) e Michael Moorcock com “O Senhor da Guerra dos Céus” (1971), empregam teorias modernas em sociedades e tecnologias do passado. O livro “A Transatlantic Tunnel, Hurrah!” (1973) do escritor Harry Harrison, retrata um Império Britânico de um ano alternativo de 1973, repleto de locomotivas atômicas, barcos voadores movidos à carvão, submarinos suntuosos e diálogos vitorianos. Em 1980, foi publicado o primeiro capítulo da história em quadrinhos de Richard A. Lupoff e Steve Stiles intitulada “The Adventures of Professor Thintwhistle and His Incredible Aether Flyer”. Contudo, o livro “A Máquina Diferencial” (1990) dos autores William Gibson e Bruce Sterling é, com frequência, considerada a obra que trouxe notoriedade ao gênero. Já a primeira vez que o termo “Steampunk” foi utilizado em um título, foi na obra do escritor Paul Di Filippo “ Steampunk Trilogy” (1995). Há, atualmente, inúmeros trabalhos representando o gênero Steampunk no mercado literário, eles vão desde os quadrinhos como “Hellboy” (1993) e “A Liga Extraordinária” (1998), até as estórias de detetive do escritor Robert Rankin.

Em decorrência do crescente interesse do público nas estórias e cenários Steampunk, surge em 1988, o primeiro jogo de RPG (Roleplaying Game) denominado “Space:1889”, entre os autores estão Frank Chadwick, Loren Wiseman e Marcus Rowland. Em seguida, é a vez dos jogos eletrônicos, como: “The Chaos Engine” (1993); “Myst” (1993); “Final Fantasy VI” (1994); “Riven” (1997); a série “Thief” (1998); “Skies of Arcadia” (2000); “Final Fantasy IX” (2000); “Myst III: Exile” (2001); “Arcanum: Of Steamworks and Magick Obscura” (2001); “Dark Chronicle” (2002); “Rise of Nations: Rise of Legends” (2006); “Dishonored” (2012) e “BioShock Infinite” (2013).

O cinema e a televisão também contribuíram para aumentar a popularidade do estilo Steampunk. Muitos dos aspectos visuais do Steampunk tem como fonte dois grandes clássicos cinematográficos: “20.000 Léguas Submarinas” (1954) dos estúdios Walt Disney e “A Máquina do Tempo” (1960) de George Pal. Na televisão, uma das primeiras manifestações das características Steampunk foi na série da CBS “The Wild Wild West” (1965-1969), que inspirou o filme “Wild Wild West” (1999). O filme “Brazil” (1985), também, foi uma importante influência cinemática para o gênero. Outros exemplos, são os filmes: “O Fabuloso Mundo de Júlio Verne” (1958), “Um Século em 43 Minutos” (1979), “Ladrão de Sonhos” (1995), “A Liga Extraordinária” (2003) e os da série “Hellboy” (2004 e 2008); as séries de animação “Trigun” (1998) e “Turn a Gundam” (1999-2000); os filmes de animação “O Castelo no Céu” (1986), “Atlantis - O Reino Perdido” (2001), “O Planeta do Tesouro” (2002), “Steamboy” (2004), “O Castelo Animado” (2004) e 9 - A Salvação (2009); a série da BBC “Doctor Who” (1963), a série americana “Q.E.D” (1982), e as séries do Syfy “Tin Man” (2007) e “Warehouse 13” (2009).

Como representantes da música Steampunk podemos encontrar bandas, como: Frenchy and the Punk, Vernian Process, Abney Park, Lee Presson and the Nails, os músicos Thomas Dolby e Paul Roland, entre outros. Nas artes plásticas, os quadros da pintora espanhola Remedios Varo (1908 – 1963) combinam elementos do vestuário vitoriano, fantasia e ficção científica. Na moda, a estilista e modelo britânica Kate Lambert, conhecida como “Kato”, fundou, em 2005, a primeira empresa de roupas voltada para o público Steampunk (“Steampunk Couture”), combinando elementos vitorianos e pós-apocalípticos. Ademais, linhas de alta costura, tais como Prada, Dolce & Gabbana, Versace, Chanel e Christian Dior já incorporaram estilos steampunk nas passarelas de seus desfiles de moda.

Em razão da popularidade do movimento, existe um número crescente de adultos que deseja estabelecê-lo como um estilo de vida, empregando-o desde na decoração de casa até na filosofia de vida, com opiniões de inspiração punk e uma forma otimista de encarar o potencial humano. Em virtude disso, muitos seguidores alegam que o Steampunk está se tornando uma super-cultura, ao invés de uma mera sub-cultura, com um número cada vez maior de convenções ao redor do mundo. No fim, o que todos os integrantes do Steampunk têm em comum é uma imaginação e um desejo de diversão um tanto infantil, e isso já é o suficiente para torná-lo fascinante.