Um dos resultados mais questionadores e inovadores do iluminismo - século XVIII - foi colocar o homem, o indivíduo, como centro do mundo. Esta antítese ao absoluto - Deus - representado por seus supostos significantes - a Igreja, a realeza - abriu novas perspectivas para o humano, perspectivas posteriormente desenvolvidas em um movimento, uma ideologia, um legado social e jurídico: a Revolução Francesa. A partir daí, o lema “liberdade, igualdade, fraternidade” torna-se o resumo fundamental que passa a nortear a trajetória do homem ocidental. O homem é, então, igual a seu semelhante, nada os diferencia: nem aparência, nem origem ou posição social e esta igualdade se reflete nas leis e possibilidades da vida. Quando existem diferenças elas são determinadas pelos recursos econômicos a partir dos quais classificações de pobres e ricos expõem diferenças que não são intrínsecas ao humano, são circunstanciais, e ainda, geradas pelo acúmulo de riquezas continuadas do absolutismo anterior.

Ser centro do mundo fez o homem perceber que tudo que lhe acontecia dependia dele próprio. Esta libertação dos grilhões de crenças obscurantistas impôs a razão, o conhecimento como chave para abrir novos caminhos, para estabelecer progresso. Sem o iluminismo teria sido difícil chegar à industrialização, à transformação dos recursos existentes através de conhecimento de técnicas específicas.

Mudar, transformar, abrir caminhos se impôs ao homem quando ele ficou entregue a si mesmo. Foi uma radical mudança de modelo que possibilitou autonomia, semelhante à que ocorre na idade adulta, quando padrões familiares são transformados e questionados. O iluminismo enfatizou a razão com consequentes esclarecimentos, questionamentos, ampliação de perspectivas e horizontes e isto refletiu na sociedade em geral, em movimentos artísticos e também na religiosidade. O acesso a Deus não era mais exclusivo dos religiosos que vendiam “permissos”, tais como escapulários e “benzidos”, para que se atingisse a divindade. Intermediários diminuíram, ação direta se impôs mas também outros problemas foram criados: a constatação da fragilidade ou da força diante dos caminhos a percorrer.

Estruturas de uma nova forma de poder foram estabelecidas, reunindo autoridades dispersas e institucionalizadas. Já não basta ser livre, é necessário ser forte para enfrentar obstáculos determinados pelos poderosos institucionalizados. A liberdade se desdobra, torna-se enfático o lema “a união faz a força”. Comunidades são estabelecidas, solidariedade é exercida para que o homem se mantenha no centro do mundo. Nesta trajetória, decorrências mutáveis surgem e sob a forma de democracia muito desequilíbrio é gerado, polarizações que em algumas circunstâncias e panoramas sociais e econômicos permitem a volta de poderes absolutos: ditaduras que retiram o homem do centro e colocam, como centralidade, ideias, ideais e objetivos com a finalidade de transformá-lo em massa de manobra para a manutenção de máquinas de poder voltadas para afirmação de suas ditaduras e plataformas políticas aniquiladoras da liberdade, destruidoras da individualidade.

Novas configurações criam novas antíteses. Agora, recuperação do lugar central e legítimo do homem só é possível pelo exercício de autonomia frente a todas as forças que o alienam e escravizam. O que define o humano é o exercício de suas possibilidades ou a submissão às suas necessidades (que o transforma em mercadoria, o torna alienado). Sucumbir aos fundamentos exploradores dos novos sistemas, adoece, neurotiza, desespera, daí ser necessário enfrentar os problemas, questionar-se e assim gerar mudanças. Entender o que acontece é humanizador.