Em menos de dez dias daremos adeus a 2016, e a partida do ano tem gerado bastante ansiedade. Ou pelo menos é o que parece se levarmos em conta os memes e postagens nas redes sociais. Entre Brexits, Trumps, Cunhas, Alepos e Lamias fica um gosto amargo no inconsciente coletivo, um misto de derrota e impotência diante das injustiças. Muita gente legal foi embora em 2016, em alguns casos de forma trágica e sem sentido... em contrapartida, muita gente verdadeiramente escrota ganhou voz e poder este ano. Eu entendo que para muitos ao redor do globo esteja realmente difícil encontrar o que comemorar.

Mas calma aí! Apesar de não parecer, nem tudo foram lágrimas em 2016. Embebida pelo espírito festivo próprio dessas datas, esta é uma singela e despretensiosa lista de coisas muito bacanas que nos surpreenderam esse ano, seja porque nos fizeram rir, por encher nossos olhos de beleza ou simplesmente por acalentarem nosso coraçãozinho que, não sem razão, andou muito tristonho nos últimos doze meses. Boas festas a todos, e que 2017 possa ser portador de melhores notícias para todos nós.

Aquarius

São tantos méritos para um filme só, que é difícil começar. Primeiro, quando foi a última vez que você assistiu um filme protagonizado por uma mulher na faixa dos 60 anos, que, além de forte e decidida, é linda e cheia de vida? Pois é, não é comum. A interpretação da Sônia Braga é simplesmente brilhante e o enredo que vai desvendando como o esquema das construtoras, com requintes de crueldade, implode a qualidade de vida das pessoas, desfigura a cara das cidades e destrói os espaços públicos, deteriorando a relação dos habitantes com o entorno, deixa a gente sem ar. Tudo isso com uma trilha sonora simplesmente inacreditável e falas memoráveis que já caíram na boca do povo, como "toca Maria Bethânia pra ela, mostra que tu é intenso" e “você não tem caráter, aliás seu caráter é o dinheiro”. Realmente, só tenho a agradecer ao Kleber Mendonça por esse filme.

A parceria da Karol Conka com a Mc Carol

Hoje no Brasil, Karol e Carol são duas das mais poderosas vozes na luta contra o racismo e a violência de gênero. Em 2016 elas se uniram e criaram a canção mais potente do ano, cheia de atitude, destemida. Apesar de contar com lei Maria da Penha, o Brasil foi apontado há pouco tempo como o pior país da América do Sul para nascer menina. Por isso é muito interessante ver duas cantoras com um apelo tão grande com o público jovem colocar o dedo nessa ferida. Ficam aqui abaixo dois trechos, que são verdadeiras palavras de ordem, para quem ainda não ouviu “100% Feminista”:

Presenciei tudo isso dentro da minha família / Mulher com olho roxo, espancada todo dia.

Sou mulher independente, não aceito opressão/ Abaixa sua voz, abaixa sua mão.

Os arqueólogos

A peça estreou em São Paulo e teve duas curtas temporadas, a primeira no Centro Cultural São Paulo. O autor e ganhador do prêmio Shell, Vinicius Calderoni, voltou a ser indicado (muito merecidamente) por esta obra. “Os arqueólogos” narra as pequenas façanhas, delícias e tragédias da nossa efêmera existência. É um texto bonito, bem-humorado e por vezes carregado de tristeza, que nos lembra que é nas miudezas que a vida acontece. O enredo vai se desenrolando e gerando vários pequenos clímaces que culminam num longo e intenso abraço. Gente, e quem não está precisando de um abraço para terminar 2016? Enfim, é uma daquelas coisas que esquentam o coração... quem não teve a chance de ver, torça para a peça voltar ano que vem.

Papa Francisco sobre o aborto

Basicamente, dar o seu santíssimo aval para que os padres e párocos possam perdoar o aborto é o jeito, ainda que velado, do papa de dizer que existem questões muito mais importantes que ficar condenando as mulheres que, por qualquer razão, decidem interromper a gravidez. Afinal de contas, o cristianismo bate muito na tecla do perdão (dar a outra face, blá, blá, blá), então a não possibilidade do perdão nesses casos era uma baita hipocrisia, já que até os criminosos sempre tiveram esse direito. Mais do que peso simbólico, o fato da igreja católica ser menos rígida ao julgar essa questão e tratá-la apenas como mais um pecado, pode com o tempo trazer avanços na discussão pela descriminalização desse procedimento em países muito religiosos, como o nosso, onde a questão é muito mal discutida e compreendida.

Medellín e o povo colombiano

É sempre diante do maior penar que conhecemos os nossos amigos mais verdadeiros. O povo colombiano compartilhou da nossa tragédia nacional como se fosse gente da nossa família, como se falássemos a mesma língua, como se dividíssemos o mesmo território. Mas é aí que está, nós dividimos mesmo – o mesmo continente e o mesmo planeta. E graças a imensa generosidade e cuidado com que eles cuidaram das nossas vítimas, pudemos, em pleno 2016 dos atentados e das bombas, lembrar que ainda somos humanos. Que existe essa parte de nós que vive no outro e que uma parte desse outro também reside em nós, e que nada disso depende de nacionalidade ou de fronteiras imaginárias. Apesar de todos os pesares, toda essa tragédia nos despertou a empatia pelo próximo, que tanto está em falta. E sinceramente, é um alento saber que ainda somos capazes de acolher uns aos outros.