Obediência implica em se anular em função de regras, ordens ou imposições. Obedecer não é simplesmente dizer sim, ou seguir. Obedecer é incorporar o solicitado, abrindo mão de toda e qualquer cogitação ou contribuição pessoal.

Obedecer requer sempre anulação, por isso ditaduras e certos sistemas educacionais, antes de ensinar, realizam “lavagem cerebral”: mentes em branco, criando a base para que se possa obedecer.

Em verdade, obediência deveria requerer participação; antes de obedecer seria necessário discutir, esclarecer para que houvesse concordância e assim obediência. Acontece que obedecer está distante de concordar, pois as etapas prévias de discussão, de dilema não são realizadas. Etimologicamente, esta ideia é bem expressa pela palavra obediência na língua alemã; nela obediência é Gehorsam, usam também Kadavergehorsam para falar da obediência cega, possível pelo abandono da consciência graças à subordinação do cadáver. É interessante recorrer à etimologia da língua alemã, pois encontramos uma acurada descrição do que é obediência: é abandono da consciência, situação máxima no estado cadavérico.

Não há como obedecer mantendo individualidade. É exatamente aí que encontramos os atritos provocados quando se exige obediência, ou os mecanismos controladores das ditaduras, ou as manobras dos políticos prometendo escolas e hospitais para conseguir obediência que vai ser expressa na votação.

Só há obediência quando se é negado como alteridade, como indivíduo. Obedecer é permitir, concordar quando são configuradas e decretadas as ordens e regras independente dos próprios critérios.

Comunidades estruturadas em obediências, em imposições, matam individualidades, matam possibilidades e realizam necessidades ao submetê-las às ordens que as mitigam. Psicologica e individualizadamente, nada é pior que educação, sistemas sociais e familiares, relacionamentos mantidos por estruturas de obediência. Ser obediente para conveniência da manutenção de ordens estabelecidas, e pela realização desta conveniência, é sobreviver ao que despersonaliza e desindividualiza. Em 1963, nos Estados Unidos, Dr. Milgram realizou um experimento sobre obediência e suas implicações desumanizadoras, que tornou-se um clássico muito citado na Psicologia.

Este foi o primeiro estudo a enfatizar o poder da autoridade na obediência, independente das diferenças individuais dos que obedecem. Foram recrutados 40 voluntários, que sabiam que faziam parte de um estudo experimental de aprendizagem na Universidade de Yale. Os voluntários eram todos homens americanos, entre 20 e 50 anos, com várias ocupações (funcionários dos Correios, catedráticos de escolas superiores, comerciantes, engenheiros e operários). A todos era dito que se tratava de uma investigação sobre os efeitos do castigo na aprendizagem e, em especial, os distintos efeitos dos diversos graus de castigo e os diferentes tipos de professor. Embora fosse usado um sorteio entre os voluntários, já estava previamente determinado - para os pesquisadores - que o voluntário seria sempre o professor e o estudante (a “vítima”) seria um dos pesquisadores.

Amarrava-se a “vítima” em um aparelho que lembrava a cadeira elétrica com elétrodos. O voluntário (no papel de professor) era levado a um cômodo adjacente, diante de um instrumento com o rótulo “gerador de choques”. Ao professor-voluntário, dava-se um choque de 45 volts para demonstrar a autenticidade da máquina. Tal gerador de choques continha interruptores com números que iam de 15 a 450 volts, rotulados também em grupos de: “choque suave” até “perigo: choque intenso”. O experimento consistia em o professor fazer perguntas ao estudante e a cada resposta errada ele deveria administrar um choque, iniciando com 15 volts e aumentando a cada erro. O voluntário-professor era levado a acreditar na autenticidade dos choques.

Em cada 4 perguntas, o estudante respondia errado a 3 delas. A cada choque recebido, o estudante gritava (em verdade era um dos pesquisadores, simulando a dor), pedia para parar e com o aumento da voltagem (quando alcançava os 300 volts) dava pontapés na parede, simulando desespero, até inércia total. Os professores-voluntários procuravam conselhos junto ao orientador do experimento e este apenas lhes dizia para continuar: “please, go on”. A “vítima-estudante” agonizava. Neste ponto do experimento, os professores-voluntários começavam a reagir de diversas maneiras, com tiques nervosos, gaguejando, suando… mas continuavam dando os choques.

Dr. Milgram afirma que, contra todas as expectativas, 26 dos 40 indivíduos completaram a série, acabando por administrar os 450 volts, na agora, silenciosa “vítima”. Apenas 5 se negaram a prosseguir após o primeiro protesto veemente da “vítima” (aos 300 volts). Os professores-voluntários frequentemente manifestavam, verbalmente, seu interesse pelo estado da “vítima”, mas dominavam suas próprias reações e continuavam seguindo as ordens aumentando os choques até o castigo máximo. Três professores-voluntários sofreram ataques incontroláveis. O conflito que estes indivíduos enfrentaram, neste experimento, consistia em obedecer a uma autoridade que merecia sua confiança, e em fazer algo que sabiam que era mau.

Resumo e vídeo sobre este experimento (em inglês) aqui