No dia dois de setembro de 2018 fui surpreendido pelos prantos de minha esposa que entrando no quarto me informava que o Museu Nacional do Rio de Janeiro estava em chamas e com ele, centenas de milhões de anos de história, envolvendo peças arqueológicas de origens diversas, coleções das mais variadas formas de vida, ossos dos grandes répteis que dominaram o planeta há dezenas de milhões de anos atrás, documentos históricos e tudo mais que foi acumulado em exatamente duzentos anos de história daquele museu.

O incêndio que destruiu praticamente a maior parte desse acervo não foi causado pelo acaso, por uma fatalidade, causada por um terremoto, um tsunami, uma tempestade, a queda de um meteoro, nada disso. Mais esse crime cometido contra o patrimônio da humanidade foi cometido pela cultura administrativa, gerencial, burocrática típica de colônias de exploração como é o caso do Brasil.

Recuperado em termos da perda ocorrida, que fazia parte de minha infância onde eu e meu pai visitávamos juntos os vários andares do museu e posteriormente eu com minhas filhas, tive certeza de algumas coisas:

  1. Duvido que alguém será responsabilizado pelo crime de lesa a humanidade, pois no Brasil, nunca há culpados principalmente quando envolve tragédias sócio-histórico-ambientais. Desconheço alguém que tenha sido preso por ter destruído um rio, um manguezal, uma baía, uma lagoa ou qualquer patrimônio histórico-cultural. Simplesmente acontece aquele alvoroço durante e pouco depois da tragédia e em seguida tudo volta ao normal, isto é, como se nada tivesse acontecido, pois em seguida, novas tragédias se apresentam. Como se diz por aqui, a fila anda;

  2. No Brasil, não há como se evitar males maiores, pois apesar de avisar insistentemente sobre um determinado perigo, simplesmente enquanto não acontece a tragédia, os "responsáveis" diretos e indiretos não tomam qualquer providência que pudesse evitar o mal maior. Destaco que desde 2004 e mesmo antes, as condições de abandono do Museu Nacional eram frequentemente denunciados através da mídia sem qualquer efetiva ação de quem tinha o poder de mudar o trágico destino de mais essa tragédia anunciada;

  3. Não havia dúvidas que haveriam mobilizações à favor do Museu Nacional, enquanto o cheiro de destruição pairava sobre aquele importante espaço de pesquisa e educação. Passeatas, abraços, mensagens pelo facebook etc, etc, etc. Infelizmente, logo, logo, o assunto irá esfriar e os culpados, continuarão livres, leves e soltos pois no Brasil o mal ambiental e cultural compensa. Toda essa mobilização, apesar de importante, deveria ter ocorrido antes da catástrofe, pois para aquilo que foi irremediavelmente perdido, tais manifestações de apoio, não irão resolver mais coisa alguma;

  4. O dinheiro que não chegava ao Museu Nacional antes da catástrofe, amplamente alertada, prontamente após o incêndio, foi liberado rapidamente pelas autoridades que simplesmente não tomaram qualquer ação enquanto o Museu Nacional ainda estava de pé. No Brasil nunca faltou dinheiro para mordomias e direitos adquiridos para as castas do poder público e tão pouco para artistas amigos/amigas e simpatizantes do governo. Em contraponto o que sempre faltou foi vergonha na cara e medo da leis que protegem recursos naturais e culturais. Existem leis, existem órgãos, existe uma pesada e obesa máquina pública cara e ineficiente, castas e muitos direitos adquiridos, onde para essa turma, nunca faltam recursos;

  5. Em seguida ao incêndio, novas medidas estruturantes e burocratizantes são informadas pelas tais autoridades, sempre apressadas em mostrar uma eficiência tipicamente pós catástrofe, também tipicamente verde e amarela, onde sobra muita piroctenia e pouca eficiência pré catástrofe;

  6. As tais autoridades que pouco ou nada fizeram para modernizar minimamente o Museu Nacional, mesmo após diversos anos de denúncias, já informam que os recursos financeiros para a reconstrução do museu estarão em breve a disposição. Outro aspecto típico da cultura local onde o termo manutenção é um palavrão, um verdadeiro pecado, uma blasfêmia em contrapartida à palavra reconstrução ou construção, onde normalmente as verbas são fartas num lugar onde dinheiro nunca é problema quando há interesse político;

  7. Finalmente fiquei pensando nos hospitais, nas escolas, nas estradas, na segurança, no saneamento, nas lagoas, nos manguezais e nas baías, praticamente tudo abandonado onde a gestão pública eficiente, historicamente é exceção e não regra.

Lembro que a cidade do Rio de Janeiro, que atualmente se encontra praticamente em guerra civil, onde raro é algo que funcione sob a administração pública e onde as diversas esferas do poder público mal se comunicam, recebeu nos últimos dez anos investimentos públicos e privados da ordem de vinte bilhões de dólares! Outros "presentes" deixados pelos recentes anos de economia pulsante, foi o Maracanã ao custo de quatrocentros milhões de dólares e a Cidade da Música ao custo de duzentos e cinqüenta milhões de dólares, tudo isso enquanto lagoas, rios, baías e o Museu Nacional apodreciam à olhos vistos.

Neste contexto devastador, ainda há coisa pior. Diversos políticos que até pouco tempo faziam parte de toda essa gastança sem prioridades, simplesmente estão, segundo as avaliações pré-eleitorais como candidatíssimos à exercer novos mandatos e dessa forma continuar a política da terra arrasada junto de seus clãs ou facções partidárias, conforme o entendimento de cada um.

Portanto, se por um lado, a classe política e os administradores públicos indicados por esses, na grande maioria das vezes, aí estão para se banquetearem da coisa pública, por outro, o eleitor brasileiro sofre de uma patologia mental que eu denomino de resiliência patológica que é a capacidade de aceitar o inaceitável.

Chego a conclusão que estamos próximos do fundo do poço e que para salvar o ambiente, precisarei colocar fogo nele!