As culturas populares possuem como características a recriação, espontaneidade e técnica pela pulsante injeção do imaginário popular. Revela-se também pela regionalidade, algumas vezes pelo anonimato, religiosidade entre o ritual e a tradição. Pelo fato de transmitirem seus atributos de geração em geração, as culturas populares sabem trabalhar com emoções e sentimentos. Talvez, elas entendam de tudo que envolvem a saudade em suas formas de manifestações. Seja pela beleza nos detalhes da infiltração do novo com o passado, vislumbrada pela técnica da sabedoria popular e sua relação com a natureza.

Muita gente não compreende, mas não há nas culturas populares apenas o passado, há sim uma intersecção com o novo, com as tecnologias que desemboca em apetrechos para novos procedimentos de exibir sua arte. Mesmo assim, o grande trunfo das culturas populares é de enaltecer as técnicas antigas para desempenharem em suas manifestações a refuncionalização em suas exibições. Recriam e criam entre singularidades e potencialidades suas conexões com o novo, mas não perdem a essência de seu contexto. Para tanto, a dimensão das culturas populares perpassam nos dias atuais pela sociologia do efêmero 1 , são relações definidas aos moldes das intersecções midiática. Sustentadas pelas inovações da tecnologia da informação, as culturas populares reinventam rapidamente novos modelos de vivências entre o trabalho e a vida.

Inauguram com vestígios da tecnologia por meio de brincadeiras particulares entre o seu cotidiano e o imaginário, maneiras de driblar a única certeza que temos que é da morte. Por isso, carregam em seu íntimo, a técnica, a espontaneidade e o afeto. Digamos que as culturas populares reagem pelo termômetro do poder entre o consumo e a política local. Muitas vezes confundem trabalho com a vida, fazendo de seu trabalho sua própria vida. Entre as incertezas do cotidiano, carregam singularidade, criatividade, rituais, espontaneidade e técnicas, utilizando em seu cotidiano a virtude do imaginário.

Como diz Helena Blavatsky, o homem faz de si a imagem de seus sonhos. Quiçá seja provável que as culturas populares tenham mais sonhos do que realizações, por isso a busca para o novo não cessa. Digamos que as culturas populares convivem inteiramente com os riscos de vida, daí criam e recriam uma arte poética numa constante epopeia através de suas manifestações. Tanto assim, há todo um aparato entre o simbólico em suas representações. Em face disto, Aristóteles escreveu

Como a imitação se aplica aos atos das personagens e estas não podem ser senão boas ou ruins (pois os caracteres dispõem-se quase nestas duas categorias apenas, diferindo só pela prática do vício ou da virtude), daí resulta que as personagens são representadas melhores, piores ou iguais a todos nós.

(Arte Poética de Aristóteles, II: Diferentes espécies de poesia segundo os objetos imitados)

Nesse aspecto as culturas populares manifestam seus sonhos pela intersecção midiática. Imitam e reinventam aspectos da mídia em seu dia a dia entre a vida e o trabalho. Geram novos interesses pela chamada economia criativa2 surgindo valores simbólicos para o capital intelectual. Existe em Barbalha-CE, na festa de Santo Antônio chamada Pau da Bandeira de Santo Antônio, o dia da festa das solteironas que querem arrumar um marido. Há uma casa da maior solteirona do Brasil que faz uma startup da lasca do Pau da Bandeira de Santo Antônio e com isso consegue vender chaveiro da lasca do Pau da Bandeira de Santo Antônio, chá da lasca do pau da bandeira entre outros apetrecho e bibelôs que acompanham o imaginário da referida festa. A cada ano aparece uma novidade, trabalha sempre com as incertezas do novo. Para isso, devemos compreender que somos mais emoções do que produções. Pela emoção criamos e damos créditos aos nossos sonhos.

E os pregões nas feiras livres são de acordo com as notícias e os acontecimentos da atualidade. O sensacional espetinho, que mantém a ideia de cadeiras nas calçadas, hábito do tempo de nossos bisavôs, aposta nas relações sociais da esquina. É uma startup3 no segmento da gastronomia que reinventa o hábito das relações sociais em tempos líquidos, segundo Zigmunt Bauman.

Na verdade, precisamos das culturas populares para saber o gosto do povo, são termômetros de emoções na era dos dados. Há de se considerar que a socióloga Maria Isaura Pereira de Queiroz disse que a característica na cultura popular que alimenta sua existência é o afeto que proporciona a criatividade. Nesse sentido, temos que salientar que as culturas populares são regidas pelo capitalismo, ou seja, pela forma do consumo.

Assim para compreendermos nosso estudo, vejamos as diferenças em cinco itens: 1.Inovação (transformação)/ 2. Escalabilidade (tradição) / 3. Potencial / 4. Sonho Grande (riqueza do imaginário popular) / 5. Flexibilidade:

Culturas populares

  1. Reinventam a partir do imaginário, maneiras de sobrevivência entre o simbólico e a prática cotidiana.
  2. Suportam o tempo, entendem do sentimento saudade, por isso transmitem seus rituais de geração em geração.
  3. Tem potencial para atingir grandes mercados/economia criativa: conseguem levar suas manifestações e técnicas para o mundo com apresentações e artesanatos. É o caso do Festival de Parintins onde a coca-cola produziu latas com as cores do festival e com a figura do boi bumbá.
  4. Os mestres da cultura são exemplos de grandes objetivos, como A família Salustiano com o Cavalo-Marinho na Casa da Rabeca em Olinda-PE com e da banda cabaçal dos irmãos Aniceto-CE que construíram sua família pela força de sua cultura.
  5. São enxutas e flexíveis/espontâneas e incerta: Com seus mestres as culturas populares se adequam ao mercado, espetacularizando suas manifestações sem perder a essência do encontro.

Startup

  1. A startup precisa ter algo diferente do que já existe no mercado, seja no seu produto/serviço ou no modelo de negócio, de forma que isto seja uma vantagem competitiva.
  2. O modelo de negócio de uma startup precisa ser escalável, isto é, poder crescer aceleradamente sem exigir na mesma proporção recursos humanos ou financeiros.
  3. Tem potencial para atingir grandes mercados: as startups buscam criar produtos/serviços que possam ser utilizados potencialmente por milhares até milhões de clientes, para que possam assim crescer continuamente.
  4. Mesmo começando como pequenas empresas, já nascem com a ideia de se tornarem grandes empresas no futuro, diferentemente das empresas chamadas de “estilo de vida”, que tem como objetivo apenas a realização pessoal do empreendedor.
  5. São enxutas e flexíveis: mesmo pensando grande, as startups devem ser muito enxutas, pois pela necessidade de validar sua inovação, precisam estar prontas para mudar seu produto e/ou modelo de negócio de forma a adequá-los a demanda dos clientes.

A intersecção midiática colabora para que as culturas populares e as startups se recriem, se transformem e reproduzam ou desapareçam pelas relações efêmeras alimentadas pelo afeto, pelo gosto das pessoas. Os produtos dos startups também caem em desuso, também são ilusórios. Consumimos o supérfluo para acreditarmos que somos seres humanos melhores, há uma camada de acrílico em nossas almas para suportamos a era dos dados regida pelo consumo exagerado. O autor Néstor García Canclini diz que somos Kitsch - pelo exagero do consumo. Com isso muitas autoridades e muitas pessoas perdem a noção da essência do ser humano, ficam superficiais, não conseguem compreender as emoções e os sentimentos humanos.

Para negociarmos as incertezas da vida, devemos no mínimo, estudarmos os filósofos e os poetas, ou mergulharmos na essência das culturas populares. Para isso devemos ler e reler o poeta Khalil Gibran que em seu livro – O profeta remete para o debate do conhecimento de si mesmo pelo amor e o sentido da vida. Com as tendências de um mundo prático, os seres humanos devem realizar intersecções, não perder o novo, nem lamentar o passado, mas promover um elo entre o fascínio da tecnologia com a emoção do imaginário popular. Os jovens astutos sabem que tocar a alma das pessoas pode trazer uma melhoria de modos de vida para todos os terráqueos. Necessitamos de um constante controle entre a ciência, a tecnologia, a religiosidade a partir dos valores simbólicos e das crenças para que as startups possam emergirem em benefício da vida das pessoas para mudanças significativas na sociedade que envolvam a relação homem-natureza.

O pesquisador Lynn White disse que

Nosso comportamento ecológico depende de nossas ideias da relação homem-natureza. Nem mais ciência e nem mais tecnologia vão nos livrar da atual crise ecológica até que encontremos uma nova religião, ou reconsideremos nossos antigos valores religiosos.

Digamos que as intersecções estão em nossas vidas, mas temos uma tendência em separar o que nos pertence.

Então, as culturas populares são startups que conseguem submergir a relação homem-natureza a partir das intersecções midiática para sobrevivência do trabalho e da vida na era da tecnologia.

Notas

1 Termo criado pelo professor e orientador Dr. Wellington Pereira da UFPB para designar as recriações existentes na cultura popular.

2 O conceito de economia criativa é relativamente novo, portanto, não há uma definição “pronta” e única sobre o termo. O que podemos afirmar é que a ideia da Economia Criativa, como o próprio nome diz, é unir economia com criatividade, possuindo como matéria-prima o capital intelectual, isto é, carregado por valores simbólicos. Assim, de um lado temos a Economia, que diz respeito à ciência que regula a produção, a distribuição e o consumo de bens e serviços. E, de outro lado, temos a criatividade, que significa ser capaz de criar algo novo ou transformar algo que já existe.

O pesquisador britânico e especialista na área, John Howkins, sustenta que é justamente a relação que se dá entre a economia, a criatividade e o campo simbólico que constitui a Economia Criativa. Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) a economia criativa é: “[…] um conjunto de atividades econômicas baseadas no conhecimento com uma dimensão de desenvolvimento e ligações transversais a níveis macro e micro à economia global”. (UNCTAD, 2010, p.10, tradução nossa). Antes mesmo de surgir o termo economia criativa, já havia a noção de indústrias criativas, criado por volta da década de 1990 na Austrália e muitas vezes esses conceitos são usados como sinônimos, mesmo que não sejam. Nesse período ocorreu a publicação do relatório chamado Creative nation: commonwealth cultural policy, que trouxe a importância de se levar em consideração o potencial econômico das mais variadas atividades culturais. Outro evento importante, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que aconteceu em 2012 no Brasil também trouxe essa discussão sobre a economia criativa por meio da cultura, a colocando como o quarto pilar do desenvolvimento sustentável. Por outro lado, este é um processo gradual de reconhecimento da cultura e da criatividade, que depende dos objetivos de cada nação em firmar ou não este compromisso. Disponível aqui.

3 Para compreendermos melhor, será necessário entender como funciona uma startup. Basicamente, o termo provém de “star”, que significa “iniciar” e “up” que significa “para o alto”. Essa forma de fazer negócios surgiu no período da bolha da internet dos Estados Unidos e difundiu-se na década de 90. No caso do Brasil, esse tipo de empresa demorou um pouco mais para começar a surgir, tendo o seu reconhecimento no país em meados de 1999 a 2001 (DOLABELA, 2008).

Segundo o SEBRAE (2016), define-se startup como uma empresa nova, até mesmo embrionária ou ainda em fase de constituição, que conta com projetos promissores, ligados à pesquisa, investigação e desenvolvimento de ideias inovadoras. Por ser jovem e estar implantando uma ideia inovadora no mercado, outras características das startups é possuir risco envolvido no negócio. Mas, apesar disso, são empreendimentos com baixos custos iniciais e altamente escaláveis. Consultar aqui.