Os ingredientes dessa receita partem da tradição que podemos ver estampada no verbete da palavra herói:

  • Um punhado de divino
  • Um copo cheio de coragem
  • Dois copos de risco de vida em favor do outro
  • Meia dúzia de proezas

Modo de fazer: coloque esse indivíduo na hora certa e no lugar certo para que ele seja o centro de um grande acontecimento sob os olhos de muitos. Deixe esse indivíduo em ação por tempo suficiente para que o admirem de tal maneira até que seja cantado por poetas de geração em geração.

Tempo de preparo: dependendo das proezas e dos poetas, pouco tempo.

Rendimento: muitos séculos a fio.

Paródias à parte, podemos, de maneira bem informal, dizer que os heróis desde o período homérico, dependem de sua glória para assim ser. Ela é formada de duas partes: kudos, a glória que ilumina o vencedor, a graça divina e kléos, a glória transmitida de geração em geração. Kudos, portanto, é um dom, um presente divino que não se fabrica ou se compra, enquanto que kléos é o que é perpetuado entre todos a partir da manifestação de kudos. Assim, nada valeria a destreza de Aquiles ao matar inúmeros guerreiros na guerra de Tróia se não houvesse os cantos de Homero para anunciar por séculos a fio esse fato. Ainda pensando nessa relação, se o kléos é algo que depende dos homens, pois ele é a glória que sintetiza a propagação dos atos e características desse herói pela poesia, poder-se-ia, então, manipulá-la?

Nos tempos dos poetas Píndaro e Baquílides, no século V a.C., os vencedores dos jogos olímpicos, nemeus, ístimicos e píticos encomendavam epinícios (poesias elogiosas) para celebrar as suas vitórias, ou seja, para receber o seu kléos como os heróis homéricos. Muitos também eram eternizados em estátuas e tinham seus nomes registrados nas listas de vencedores em suporte pétreo ou metálico. Todos registros em prol do kléos e é pelos escritos de tais poetas que chegaram até nós que sabemos da vitória de Hierão de Siracusa, por exemplo, na corrida de cavalos.

E os heróis olímpicos de hoje? A receita é a mesma e o modo de preparo é quase o mesmo, pois não mais a poesia tem o papel do registro e é a mola propulsora do kléos, mas sim a mídia. Em ano olímpico, o que mais vejo, além de toda a cobertura midiática pessimista e negativa do evento como um todo, é um movimento paradoxal de alto otimismo em relação aos atletas na tentativa de fazer a ‘receita para se fazer um herói olímpico brasileiro’ dar certo. A mídia trava, consigo mesma, um cabo de forças opostas que estão à serviço de agendas bem diferentes. De um lado a força negativa que desmerece o evento, desqualificando tudo desde a sua gênese e de outro uma força que tenta fazer dos atletas do Time Brasil – muitas vezes reles mortais anônimos - heróis nacionais em fase de construção.

E quanto mais perto, mais intenso é o modo de preparo. São propagandas protagonizadas pelos atletas. São matérias de programas esportivos sobre eles. São notícias de jornal impresso, digital e em revistas. São álbuns de figurinhas do Time Brasil. Tenta-se de toda maneira que a receita vingue, mas se esqueceram que o kléos pindárico, apesar de encomendado e pago como todas essas estratégias midiáticas atuais, eram APÓS os jogos e não ANTES como tentam fazer agora. Nesse momento pré-olímpico, não há verso de Píndaro que salvaria a falta de kudos de muitos de nossos atletas. Para mim, a mídia, que se diz realista e imparcial ao descrever todas as mazelas do evento, pelo menos assim deveria continuar ‘sendo’ sem tentar fabricar heróis nos 45 minutos do segundo tempo provocando um otimismo com teto de vidro. Para mim, só me resta ser realista e me contentar com o bom e velho: “o que importa não é ganhar e sim competir.”