É de manhã em Changchun, capital de Jilin, província no Nordeste da China. Sinto a luz a atravessar as cortinas e aquecer-me a testa, a única coisa que tenho fora dos cobertores, olho para o relógio, são 6h00. Ouço o burburinho de passos e risos leves ao longe, levanto-me da cama e olho pela janela embaciada de gelo pelos 15 graus negativos que se fazem sentir lá fora, são as ruas a ganhar cor sobre o branco da neve que as cobrem, os alunos que, a passos de medo para não escorregar, se vão encaminhando dos dormitórios para os edifícios de aulas.

Apesar de as aulas começarem somente às 8h00, o Livro Branco da Universidade dita que, para serem alunos exemplares, estes devem acordar mais cedo para terem um tempo de estudo individual de modo a recuperar os ensinamentos do dia anterior e preparar as aulas para o dia que se inicia. Não é obrigatório, é simplesmente uma conduta imposta para exaltar as características do aluno ideal.

O sistema educacional chinês evoluiu muito nas 6 décadas após a implementação da Republica Popular da China em 1949, passou de uma iliteracia de mais de 80% para uns espantosos 3.6%. Em 2014, a taxa de frequência no 3º ciclo do ensino básico é praticamente universal, situando-se nos 98.5%, um aumento de 43% em 14 anos, desde que em 2000 adotou a política de 9 anos de escolaridade obrigatória. O ensino secundário tem uma taxa de 86.5%. E em que mais de 60% dos finalistas transita para o ensino superior, faz com que sejam mais de 9 milhões de caloiros, que anualmente tentam o acesso às universidades chinesas.

As transformações foram evidentes e drásticas, contribuindo e muito para que hoje a China, a segunda maior economia do mundo, passe daquilo que era um país densamente povoado, para um país com abundância em recursos humanos.

O Ministro da Educação, Zhou Ji, afirma que, a construção de uma nação é semelhante à de uma casa, a educação é a pedra fundamental para uns alicerces sólidos, e estes não podem ser comprometidos, não podem haver atalhos.

Não é com a ampla propagação do ensino e a criação de uma rede de escolas e universidades convergidas sob um sistema educacional, formatado sobre os ideais do Socialismo Comunista, que leva a que o ensino seja a verdadeira pedra basilar da sociedade e economia chinesas no futuro. A quantidade em detrimento de um ensino de qualidade, que devolva aos alunos o apetite pelo conhecimento e não pelos resultados é a verdadeira chave que decodifica um ensino de qualidade.

Coletividade retrai a individualidade

A cada ano, em junho, o fim do ciclo de 3 anos do ensino secundário chinês culmina num exame de tudo ou nada. Os alunos que queiram prosseguir estudos para as universidades devem enfrentar a prova de fogo, o Gaokao, uma prova de esforço de longa duração onde milhões de alunos sofrem a pressão dos colegas, professores, pais e sociedade durante os 3 dias de exames, muitos não aguentam e suicidam-se.

Para as famílias é a oportunidade de verem os filhos entrarem nas melhores universidades, não o vêm como um verdadeiro factor de crescimento e desenvolvimento intelectual mas como um meio para o sucesso e fama.

O Gaokao, apesar de ser a ‘’única’’ forma de admissão numa Universidade, nada mais é do que um processo de recrutamento, ao invés de algo que encoraje o desenvolvimento cognitivo dos alunos.

É um método com um peso e uma medida, como tal, é impossível tirar um azimute à inteligência de numa nação de 1.3 mil milhões de pessoas, tratando os alunos como um só, têm de haver mais formas de avaliar os alunos, trazendo ao de cima talentos que devem ser estimulados e cultivados.

E isso reflecte-se na qualidade dos alunos que entram nas universidades, a capacidade de perceberem o mundo que os rodeiam é limitada, quase inexistente. Os sacrifícios que passaram no Gaokao diluem-se na falta real de conhecimentos e desenvolvimento intelectual que irão adquirir no ensino superior.

O boom no acesso às universidades e na criação de uma ampla rede de universidades está a produzir licenciados de canudo vazio e vago. As empresas que contratam esses finalistas queixam-se que a falta de capacidades técnicas, intelectuais, de percepção, interacção e mais importante, de interpretação do que os rodeia é enorme.

Individualidade leva à inovação

Para os privilegiados que têm oportunidade de estudar no estrangeiro, filhos de oficiais do governo e de empresários, o contacto com culturas que estimulam o intelecto, trás retorno direto à economia e sociedade chinesa, quando estes alunos voltam, trazem uma mentalidade totalmente diferente, uma interpretação do que os rodeia muito mais ampla.

É de apontar o investimento feito pelos empresários milionários chineses no ensino, no estrangeiro, ao criar condições para os jovens chineses terem oportunidades de estudar nas universidades e países de maior renome. No entanto, o caminho para a excelência no ensino não devia passar por investir no estrangeiro, dando oportunidade apenas a uma pequena fração dos alunos. O retorno seria maior se virassem a atenção para a situação interna, da mesma forma que olham para o sistema educacional americano como farol a seguir, deviam criticar o próprio sistema educacional e investir no mesmo, de forma a colmatar as falhas do sistema

Só estariam a investir neles próprios, pois os milhões de alunos que saem das universidades são os que irão procurar emprego nessas mesmas empresas, apostando num ensino que inspira a verdadeira aprendizagem e o estímulo pela procura do conhecimento, retirando o manto da coletividade de forma a abrir espaço para a individualidade só leva a uma coisa, à inovação.

E a inovação é a única coisa que pode fazer com que a China continue no caminho do desenvolvimento e crescimento económico. O tempo de serem um país de mão de obra barata está a esgotar, o mercado e as necessidades mundiais não são estáticas, estão sempre em constante mutação, o sistema é anárquico e feroz. O próprio mercado interno chinês está a ficar mais educado e instruído, o que leva a um aumento dos padrões e custos de produção.

A China tem de olhar para a sua longa história e tirar conclusões sérias de qual o caminho que quer trilhar em direção a um futuro sustentável. Voltar a ser um país de inovações como o fora antigamente ao trazer-nos a pólvora, o papel, a bússola, a prensa escrita, etc.

Não podem continuar a limitar-se a copiar produtos e a replica-los mudando somente o logótipo e a cor da embalagem, a serem apenas o local onde fazem a montagem dos produtos para as grandes marcas, a apostar em mega infraestruturas, somente para demonstrar capacidade de execução, a maior infraestrutura em que devem investir é na inovação.