Olhar para uma marca é – estranhamente – similar com o olhar para uma pessoa. É preciso ouvi-la, conhece-la e interpreta-la. Perceber que esta existe definida pela essência, pela sua identidade, personalidade, pelos seus valores e intenções. Tal como as pessoas. Não são consumidores. São pessoas. As marcas conquistam os consumidores pela qualidade, pela funcionalidade, pelo preço dos seus produtos e serviços. Mas é às pessoas que as marcas arrebatam o coração, conquistam a fidelização e conquistam o sonho. Através de narrativas. A ligação entre as marcas e os consumidores é criada através de um processo narrativo. As narrativas das marcas são uma forma de comunicar as suas intenções e os seus comportamentos, oferecendo assim informação aos consumidores para construir inferências sobre a identidade e a personalidade das mesmas. O significado de uma experiência ou emoção é expresso e interpretado através de narrativas que as pessoas criam para compreender e comunicar-se a si próprias, ao seu cerne e à sua questão, às outras que são compostas pela mesma complexidade. Os consumidores criam ligações entre as narrativas das marcas e as suas narrativas que existem resultantes da sua memória individual e coletiva, no seu passado, no seu presente e no seu futuro.

O significado de uma marca para um consumidor é baseado, em grande parte, nas narrativas que o próprio construiu sobre a experiência que tem com a marca. Mas para esta relação ser estabelecida é necessário um processo de interpretação das narrativas. E é neste espaço de interpretação bilateral que se materializa o erro. Ou a falta de afinidade.

Os discursos das pessoas são sempre produzidos em contextos particulares, dependendo dos seus interlocutores, das circunstâncias temporais e espaciais e das relações entre estes elementos. Os das marcas também. Se se coloca, cada vez mais, a questão da globalização ou da adaptação das marcas, também se valoriza de forma crescente a pluralidade e complexidade das culturas versus a homogeneização universal. É irreal conceber-se a comunicação como linear, como plana e sem subterfúgios.

Os discursos das marcas, tal como os dos consumidores, são produzidos como resultado dos interlocutores, dos recetores e dos contextos culturais, sociais, económicos, políticos, temporais. Como explica Scolari , “as marcas surgem como narrativas de mundos possíveis, uma vez que constituem o discurso de complexos universos com um forte cunho narrativo”. O espaço para o erro interpretacional é substancialmente maior se não se considerarem as variáveis circunstanciais, o epicentro emocional, as memórias e as cicatrizes coletivas. Há mundos reais e imaginários povoados por personagens ricas e complexas, estórias cheias de socalcos e detalhes inimagináveis. As marcas analisam, perscrutam e narram esses mundos, esses seres, esses momentos. Os consumidores ouvem, interpretam e decidem se querem pertencer a esses mundos. Porque nem as fadas são para todos, nem os animais falantes são bem vindos depois de La Fontaine, ou a seriedade de uma intelectualidade é acolhida com anseio. É preciso que as marcas percebam em que mundo é que os seus consumidores querem viver, criá-lo, comunicá-lo e abrir portas para os receber. É uma história feita de lapsos, alegrias e sobressaltos até que uma marca e um consumidor pertençam a um mundo em perfeita sintonia. É uma questão de aprimorar as narrativas, educar os personagens. Mas essa é a arte do processo, e onde jaz a complexidade, crescente, de estabelecer uma dimensão intangível essencial entre as marcas e os consumidores. Às marcas resta perceber, crescer, tropeçar e levantar. Aos consumidores cabe interpretar, errar e amar.