Há alguns anos eu começaria, muito provavelmente, este texto dizendo: "Vivemos numa Europa livre, desenvolvida e justa". Bem, talvez por causa das profundas mudanças de rota ou do ceticismo teimoso devido ao tempo e às decepções, este texto não começa assim. Hoje, numa Europa em desintegração, assistimos a duas hostes em conflito ideológico. Por um lado, os partidos, os países e as culturas que parecem acreditar na supremacia da justiça, da verdade e da igualdade e (do mal o menos) lutam por isso. Por outro lado, uma onda de descrédito na Europa, na União Européia e em organizações em geral e de atitudes extremistas está a impulsionar ondas inimagináveis ​​de revolta e regressão.

Não vivemos numa Europa livre, desenvolvida e justa. Vivemos numa Europa abalada, sem rumo certo e com facções opostas que tentam legitimar novas ordens de poder que se justificam (alegadamente) pela instabilidade vivida. O desespero leva à crença na mudança, mas o radicalismo da alteração da essência nem sempre é positivo.

Vejamos o estado do mercado de trabalho para o segmento mais jovem e recém-formado no continente europeu. Quais são as condições, as propostas, as contrapartidas dadas pelos empregadores a jovens cada vez mais e melhor formados? Para as pessoas que investem longos períodos de tempo, grandes somas de dinheiro e esperança num mercado de trabalho que é, em grande parte salvem-se exceções, injusto, mal equilibrado e desonesto?

O número de estágios curriculares, estágios de verão não remunerados, trabalho voluntário - e assim por diante - que as empresas "oferecem" aos jovens em busca de experiência e integração no mercado de trabalho é inacreditável. É um ciclo vicioso. Para integrar uma empresa pedem experiência, mas não é possível ter experiência sem integrar uma empresa! Naturalmente, as companhias estão dispostas a oferecer um lugar não pago ou pago de forma injusta para que os jovens possam começar a ganhar essa experiência. E nós temos que aceitar.

Depois da primeira experiência adquirida é tempo para ingressar no mercado de trabalho. Uma pessoa com educação superior, com contato prévio com o mercado de trabalho e que corresponde (caso contrário não teria sido selecionado por Recursos Humanos, parece-me) às exigências do emprego em questão, é paga com uma quantidade ofensiva e desonesta num elevado número de casos. Hoje em dia, a ideia de "cultura de empresa" está a ser fortemente comunicada, dizendo que é onde as pessoas importam, as ideias importam, os valores são essenciais. Mas, para contrabalançar, sublinha-se discretamente que ninguém é insubstituível. Essa ideia de insubstituibilidade leva à aceitação de condições vergonhosas e exploradoras para construir uma boa carreira ou, simplesmente, um emprego na área de formação.

Vamos ver: se todos os requisitos, formações e capacidades são reunidas numa pessoa porque é que as empresas oferecem condições tão pobres a um bem tão valioso? Porque o mercado está a transbordar com pessoas treinadas e competentes com enorme potencial, temos muita gente para poucas vagas. Porque todos nós temos que começar em algum lugar. Portanto vemo-nos obrigados a aceitar este cenário e, como tal, as empresas continuam a propor estas condições.

Este é o espelho de um mercado competitivo sem escrúpulos com uma fachada ideológica cheia de buracos. Parece uma espiral da qual é muito difícil sair. Sísifos da pós-modernidade. Tudo para alcançar o nível de insubstituibilidade. Depois de atingir um certo patamar parece que a luta já não é nossa e é por isso que este ciclo parece não ter fim, entram uns e saem outros. Mas é reconhecendo que todos (TODOS) têm o direito a condições de trabalho justas, respeitadoras e honestas que devemos todos refletir e repensar. Enquanto alimentamos esta máquina, ela não pára de funcionar.

Não é numa Europa atrasada, desonesta e injusta que as gerações futuras vão querer apostar. Não podemos deixar que os injustos, os radicalistas, os oportunistas surjam. Este é o momento, porque tudo está abalado. Espero que o reconhecimento da falta de sentido nos faça parar de aceitar o inaceitável. Se não é por nós, que seja para aqueles que vêm, para não levarem esta pedra montanha acima. Porque, assim, ela vai sempre rolar montanha abaixo.