δῶς μοι πᾶ στῶ καὶ τὰν γᾶν κινάσω.
Give me the place to stand, and I shall move the earth/world.
Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo.

(Arquimedes de Siracusa)

There is an underground seepage of anti-humanism running through institutions.

(Wole Soyinka)

…para Portugal um novo paradigma de política científica: juntar às chamadas ciências “duras”, tanto fundamentais como aplicadas, a “insustentável leveza” das ciências sociais e humanas…

Neste contexto recessivo temos assistido, efectivamente, de forma por vezes alarmante, a uma espécie de contra-reforma militante que procura promover o regresso a um cânone restrito do que seria o “verdadeiro” conhecimento científico – o chamado “STEM”, acrónimo derivado da sequência disciplinar Science –Technology Engineering – Mathematics.

(Rui Vieira Nery)

Quando um prémio Nobel como Wole Soyinka declara, no keynote speech sobre “Reimagining the future university” na Times Higher Education BRICS & Emerging Economies Universities Summit, realizada na University of Johannesburg, que

There is an underground seepage of anti-humanism running through institutions

é perturbador. E quando esclarece na sessão Q&A subsequente que este fenómeno “is sweeping the world” como uma pandemia, mais inquietante se torna, mesmo se parte da argumentação se reporta à movimentação de estudantes entre culturas e à consequente falta de quadros de referências estabilizados ou consensuais.

A época é de avaliações: rankings, exames entre semestres, relatórios anuais, balanços e assembleias gerais, enfim, tudo o que encerra um ciclo, ou perspectiva e inicia outro. Avaliação é, pois, o processo sobre a mesa de todos, uns de um lado, a grande maioria do outro.

Vejamos, com brevidade, alguns dos processos e níveis de avaliação, e verificaremos como ela é relativa, conjuntural e de validade também desigual.

Circunscrevamos aos da academia: das e nas instituições, em Portugal e no estrangeiro.

Da Academia

A nível internacional: rankings

Muitas são as instituições internacionais de avaliação das universidades que procuram ordená-las por ordem de qualidade. Evoco as mais mencionadas: o US News & World Report (Best Global Universities), o The Times Higher Education (World Reputation Rankings), o QS Top Universities (World University Rankings), o Center for World University Rankings, o Shanghai Jiao Tong University’s Institute of Higher Education e o Webometrics Ranking of World Universities (Ranking Web of World universities). À excepção de dois, o Webometrics e o de Shangai, todos estão sediados em país de língua inglesa (EUA ou Inglaterra) e privilegiam critérios que lhes são favoráveis. O Webometrics, espanhol, é o único que avalia exclusivamente a presença na internet.

Sobre a validade dessas medições, temos visto vasta e acesa controvérsia. Dentre muitos, poderia lembrar Carlos G. Figuerola, professor do Departamento de Informática da Universidad Salamanca, que, analisando os indicadores, a sua recolha e os seus factores de ponderação, afirmou que, entre “Las universidades españolas y los rankings internacionales: [se desenvolve] una flagelación infundada y estéril”, algo que se aplica à grande generalidade das instituições hierarquizadas…

Todas as medições têm critérios e indicadores diferentes, em número diferente e com factores de ponderação igualmente diferentes (até dentro do mesmo quadro de avaliação) e em todos eles, a seriação das universidades diverge. Alguns, como o de Shangai, na investigação, confere 30% a prémios (incluindo o Nobel) e 20% a publicações na revista Nature and Science, distribuindo o resto por outros parâmetros.

A enumeração comparativa excederia o espaço deste texto, pelo que reúno aqui os indicadores num quadro comparativo, mas remeto os pormenores e a justificação de cada sistema para a informação online nas páginas das diferentes instâncias, com resultados consequentes: as 10 melhores de cada ranking oscilam entre 100% e 60% das da USA, 40% e 10% de UK e 10% a 0% de França-Singapura, China e Espanha. Ora, em 2015, no seu texto The future of world-class universities, Nicholas Dirks (Chancellor of the University of California, Berkeley, USA) alerta para a diferença entre o investimento público e o privado na academia americana desde a sua génese, seu traço distintivo no panorama mundial, traço que, naturalmente, justificaria que os sistemas de avaliação distinguissem os espaços académicos… Vejamos o quadro, cujas divergências dispensam comentários (clique para aceder ao quadro 1).

Apenas alguns exemplos dos resultados nacionais nesses rankings avaliadores de 2016, confrontando-os na sua disparidade de classificações (clique para aceder ao quadro 2).

No Manifesto de Leiden, em conferência STI 2014 Leiden, representantes de quatro das instituições participantes no processo de elaboração dos rankings internacionais manifestaram a sua preocupação com o modo obsessivo, pouco rigoroso e desequilibrado como as avaliações são realizadas e usadas. E propuseram 10 regras de boas práticas para um exercício equilibrado de uma avaliação articulando quantidade e qualidade. 2014 já lá vai e…

Acresce que a avaliação da Academia se centra em indicadores que não refletem a recepção dos formados e formadores no mercado de trabalho nem no cultural… apenas se recolhem indicadores no interior do espaço da Academia, não se confrontam com os que, analogamente, se poderiam obter no espaço englobante das organizações culturais e de trabalho. Essa comparação, relativizaria e validaria ou corrigiria os dados.

Por outro lado, a avaliação da Academia assenta em indicadores que não se refletem visivelmente nem proporcionalmente nas avaliações que, por sua vez, promovem. Também não se reflectem no panorama subsequente da sua oferta de apoio institucional: carecemos de gabinetes especializados de tradução e de candidatura de trabalhos a publicação e a financiamento (neste caso, o ICS é reconhecida excepção), processos burocráticos morosos e sem nenhum investimento de reflexão científica ou docente. Os centros reclamam-nos desde a sua integração nas Faculdades. Há empresas que poderiam ser contratadas, recursos humanos que poderiam ser formados… para benefício de todas as partes.

Centros & Projectos de Investigação

O último processo de avaliação dos centros e dos projectos de investigação foi pautado por imensa controvérsia e uma sistemática denúncia de “irregularidades”, tudo matéria reunida no corajoso dossier do De Rerum Natura coordenado por Carlos Fiolhais, que a classificou, no fim, como “medíocre” (v. post “A Avaliação da FCT: Medíocre”), e que foi, por fim, compilada no lnavaliacao.pt: o Livro negro da avaliação científica em Portugal (Principais comunicados, cartas, crónicas de imprensa e textos sobre a perversão e adulteração do sistema de avaliação científica em Portugal em 2014 e 2015), Setembro de 2015. Organizado por cinco investigadores de referência: Manuel Heitor (secretário de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior entre 2005 e 2011), Carlos Fiolhais, Alexandre Quintanilha, Maria Fernanda Rollo e João Sentieiro (presidente da FCT entre 2006 e 2010). O financiamento anunciado é o da própria FCT…

No horizonte europeu, surgiu o primeiro concurso do Teaming, aberto entre Dezembro de 2013 e Setembro de 2014. Dentre as 167 candidaturas válidas, conquistaram financiamento 31 projectos de 14 países contemplados. Portugal e a Eslováquia foram os países que conseguiram obter o financiamento de mais projectos (4 cada um), cada um dos quais vai receber em média, nesta primeira fase, cerca de 467.000 euros. Os 4 projectos portugueses foram: 3 na área da medicina (The Discoveries Centre for Regenerative and Precision Medicine; Nortexcel 2020; Ageing@Coimbra) e o 4º na área da alimentação (SmartAgriFor ). As Humanidades mais tradicionais (arte, literatura, cultura) ficam de fora…

Na lista de 22 áreas disciplinares do Horizonte 2020, apenas uma se refere às Humanidades (Social Sciences & Humanities) e, nela, combinando abertos e encerrados, apenas se evidenciam 6 projectos desde 2013 referentes a cultura dentre muitos mais referentes à tecnologia, energia, água, etc.. Nenhum sobre identidade(s) cultural(is), estética(s) ou outra, nenhum sobre filosofia, nenhum sobre literatura nem em estudos literários (nas suas diferentes perspectivas), instância onde se discursiviza a reflexão...

Estes indicadores são suficientemente expressivos sobre o desinvestimento nas clássicas e tradicionais Humanidades, sobre o desencorajamento da reflexão sobre o que somos, fomos e queremos ser… apenas a produção de novidade tecnológica parece importar.

E, salvo a reconhecida excepção do ICS (que poderia ser modelo, sem prejuízo de adaptações às singularidades disciplinares), a maioria dos centros continua a reclamar gabinetes especializados na candidatura a financiamento, processos meramente burocráticos e altamente exigentes do domínio processual e da estratégia. Também há empresas que poderiam ser contratadas, recursos humanos que poderiam ser formados… tudo com melhoria clara de todos os resultados.

Identificados os problemas, porque continuar com os mesmos padrões de avaliação?

δῶς μοι πᾶ στῶ καὶ τὰν γᾶν κινάσω.
Give me the place to stand, and I shall move the earth/world.
Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo.

(Arquimedes de Siracusa)