No dia 7 de dezembro do 2018 foi ao ar o programa Conversa com Bial que parou o Brasil. Dez mulheres prestaram entrevistas alegando terem sido abusadas sexualmente pelo famoso médium João de Deus.

João Teixeira Farias, conhecido popularmente como João de Deus, é conhecido mundialmente por suas façanhas e cura milagrosas. Milhares de pessoas já se trataram com o médium, incluindo a entrevistadora Oprah e a atriz Shirley McLane. E até agora, depois das primeiras denúncias, o MP de Goiás já recebeu o depoimento de mais de 300 mulheres. Que afirmam terem sido vítimas do médium-monstro.

Minha experiencia como médium de sua corrente de trabalho ocorreu no ano de 2002 quando me mudei para a cidade de Abadiânia no interior do estado de Goiás. Naquela época eu era tão fanático por religiões e filosofias espiritualistas que eu pensava que qualquer Ser que pudesse curar utilizando somente as mãos seria um Ser abençoado pelo Criador. E eu queria poder ser um de seus discípulos.

No início João me tratou bem. Eu era um dos médiuns mais requisitados para os trabalhos mais difíceis que ele abria para os da sua corrente. Porque João cuida das cirurgias com cortes e sem cortes. Porém os trabalhos de desobsessões e limpezas na época eram feitos pelos da corrente da segunda sala.

A casa nomeada por Dom Inácio de Loyola possui três salas. A primeira com os médiuns de concentração. A segunda com os médiuns de operação. E a terceira com os médiuns de recuperação. Em um pequeno vão entre a segunda e a terceira sala existe uma porta que abre para um grande banheiro, local onde Joao abusa das mulheres que necessitam de «tratamento especial». Tudo isso com o consentimento dos funcionários mais antigos que fazem parte da sua máfia.

Os problemas entre eu e o médium-monstro começaram a surgir quando um dia João chamou Claúdia para a sala de “tratamento especial”. Claúdia era minha namorada na época. Uma garota de origem portuguesa qual não cito sobrenome para proteger sua integridade. Quando nos encontramos a noite ela me relatou isso:

“Ele me colocou de frente para o espelho e de costas pra ele. Perguntou o que eu via. Eu disse que nada. Dai ele começou a ofegar forte e disse que era o Doutor Bezerra de Benezes, e começou a tocar nos meus braços e descer as mãos pelo meu corpo. Quando foi chegar no meu quadril eu dei-lhe um empurrão e disse que lhe daria um tapa na cara. Ele disse pra eu respeitar porque ele era uma entidade, e eu respondi que entidade ou não eu iria sentar a mão nele”.

Perguntei a Claúdia se queria que eu fizesse algo. Ou se contaríamos aos seus pais que também estavam sem tratando no “hospital espírita”. Ela disse que não queria que eu me envolvesse. E que também de nada adiantaria contar aos pais. Segundo ela eles nunca acreditariam porque assim como uma quantidade ínfima de pessoas eles idolatravam o médium.

Além disso, comecei a ganhar a confiança das pessoas. A conversar com todos da cidade. Colher informações. E juntar os pontos. É verdade que João de Deus cura. Óh sim, isso é verdade. Porém também é verdade que muita gente que vai lá não está doente. E quando chega na frente da suposta “entidade”, ela diz: “meu filho(a), você ficará muito doente se não ficar aqui se energizando por um tempo”. Como as pessoas (principalmente estrangeiros) seguem o conselho, precisam alugar uma casa ou se hospedar em muitas das pousadas das redondezas. E com isso João cobra comissão. Comissão sobre o valor do aluguel ou da diária. Porque segundo ele, aquelas pessoas estão lá “somente por sua causa”.

O médium-monstro diz não cobrar pelos seus serviços, porém vende um remédio que nada mais é do que passiflora, ou maracujá. E a farmácia de manipulaçao que produz o remédio está no nome da sua esposa. Ele também vende água que diz ser “fluidificada” pelas suas entidades. São caminhões e ônibus de turistas que chegam todo dia e compram litros de água a um preço mais caro que de mercado. E se João realmente fosse um ser iluminado, então ele ensinaria que todos nós temos capacidade de fluidificar nossa própria água.

Para que você tenha uma ideia do tamanho do patrimônio do médium-monstro, segundo o jornal O Globo, em seguida do surgimento das denúncias foi retirado uma quantia de R$35 milhões das suas contas.

João de Deus é um homem poderoso. Renan Calheiros, ex-presidente do Senado e também um dos maiores bandidos do Brasil, defendeu o médium-monstro em depoimento a mídia nacional afirmando que as acusações eram falsas e que João de Deus era “um homem santo”.

Não demorou muito para eu ser considerado “um cara que sabia demais”. E foi em uma sexta-feira ao final de novembro de 2002 que João de Deus veio junto com seus dois seguranças a porta da minha loja de artigos religiosos onde eu morava nos fundos. E me disse que eu tinha dois dias para sair da cidade. E que um ônibus no domingo estaria me esperando. Caso contrário na segunda-feira eu iria amanhecer com a boca cheia de formiga.

Na época eu não tinha forças para lutar sozinho. Hoje finalmente parece que João encontrou uma força maior do que a dele. A força de centenas de mulheres unidas, lideradas pela coreografa e estilista holandesa Zahira Lieneke Mous. E vamos torcer para que a justiça brasileira como sempre não abra as pernas e favoreça os mais ricos ao invés dos verdadeiros oprimidos. Independente do resultado nos tribunais, pelo menos tudo veio a tona, e a reputação deste médium-monstro está finalmente arrasada.

Por muitos anos eu pus em dúvida se existia mesmo justiça nesse mundo. E se os verdadeiros tribunais não estariam após a nossa desercarnação. Entretanto agora posso afirmar que o caso João de Deus em minha vida foi uma lição na prática de que a justiça Divina pode tardar pra caramba, porém ela nunca falha. E o nome que se dá a isso chama-se Karma.