O filósofo Ernst Cassirer dizia que "a consciência de uma diferença é a consciência de uma conexão", em outras palavras, percepção da igualdade só é possível quando se arbitra uma diferença, ou ainda, a conexão, os pontos de ligação são os que permitem constatação.

Todos somos seres humanos, por exemplo, habitantes do mundo, e podemos estar como exilados, refugiados ou habitantes de nosso lugar natural. Sem a ideia de pátria, de nação, não haveria a ideia de exilado, apátrida, refugiado. Convenções ultrapassam naturalidades. Autenticidade é transformada pelos usos e costumes, por referenciais que transformam em inautêntico o natural. O legítimo não mais é o autêntico e esse jamais é significado pelo personalizado, desde que esse processo é atravessado por variáveis que o desconfiguram enquanto realidade autóctone.

Estar contido em si mesmo extrapola e transpõe fronteiras uma vez que as mesmas são linhas imaginárias e arbitrárias estabelecidas segundo conveniências outras, diferentes dos processos possibilitadores de sua legitimação. O devido, o típico de qualquer situação, atualmente é resultante de atribuições arbitrárias. O ter ou não ter direito não corresponde mais à legitimação, pois está cooptado pelo viés de conveniências, de políticas, de objetivos que se quer imprimir. É um momento absurdo no qual a realidade vira matéria prima para criar outras realidades capazes de suprir e ofuscar o real. O atribuído, o arbitrado busca neutralizar o encontrado para dele exaurir significados e afirmar postulados. Equivale a estabelecer o texto a partir do pré texto. É um pretexto para justificar e estabelecer novas doxas. É a evidência que é resultado de reincidências que confundem, mas que permitem explicações.

Preocupação com diferenças possibilita mudança de posturas tanto quanto enseja insistir em novas conexões que muito explicitam. Revelar oprimidos pode ser uma maneira de justificar opressão, tanto quanto de denunciá-la. Vai depender do que se quer conseguir. Ao se deparar com párias sociais, psicologicamente se descobre como a humanidade, como o homem resiste: ainda é um homem o que mata e destrói, que se comporta como escória, que expressa desumanização, que explicita monstruosidade. Quem separa? Quem decide o que é humano e o que é monstruoso? Ou ainda, quando se decide isso? Novos critérios, visões pragmáticas e/ou humanitárias permitem manter as diferenças, as conexões como pensava Cassirer. Ainda é um homem que surge como monstro ou é um monstro que se exila do grupo humano? As diferenças, as repetições não definem, embora muito esclareçam. Ser igual, ser diferente, pouco significa nos processos autenticadores da realidade. Não se trabalha com o múltiplo. O que prepondera é a individualidade e nela a diferença ou igualdade não significam pois o que impera é a conectividade consigo mesmo, com o outro e com o mundo.

Estar conectado, estar no mundo, na vida com suas interações, vai estruturar participação, encontro. Os afastamentos - resultantes de enquistamentos sociais e econômicos - criam descontinuidades responsáveis por disparidades, abismos que exilam o ser humano de seu habitat social, reduzindo-o à sobrevivência ao transformar o necessário, o inevitável no único padrão a partir do qual todas as conexões, consequentemente diferenças e igualdades, são estabelecidas.

Assim são criados sistemas de roteamento das trajetórias, de suas diferenças e conexões - é o algoritmo que tudo neutraliza à medida que esclarece e ensina. A tecnologia é um instrumento realizador da apreensão de diferenças e igualdades, tanto quanto é a clava, a maça que tudo esmaga e aproveita à medida que homogeneiza diferenças e impedimentos.