Acabado de estrear, The Wife narra a história de uma esposa que, durante 40 anos, foi devota ao seu marido, sacrificando seu próprio talento e sonhos, apesar das infidelidades do parceiro. Ela chega ao seu limite quando o pseudo- escritor é premiado com um Nobel de Literatura.

Este filme dialoga com o Si- Mesmo como um Outro, isto é, dialoga com a mulher que se reprime, fica na sombra e coloca o marido no trono enquanto escritor premiado e dialoga com a escritora fantástica, genial que é capaz de transformar as ideias do marido em literatura, numa escrita inusitada e extraordinária.

Este diálogo acaba por transbordar as fronteiras da tela de cinema para se dirigir aos espectadores mais adormecidos, que assistem no seu quotidiano a estas representações do Si Mesmo, no palco de uma sociedade patriarcal e onde ainda os júris, seja lá do que for….ainda são constituídos maioritariamente por homens!

Esta obra pessoana em que a heroína chega a fingir que é dor a dor que deveras sente, apela ao acordar, ao despertar de uma realidade perversa para que a luz verdadeira de quem possui talento se faça emergir…falando de literatura, atentemos, pois, na própria natureza da linguagem. Palavras e frases referem-se a entidades, acções, acontecimentos e relações. Palavras e frases traduzem conceitos e por sua vez os conceitos consistem numa ideia do que são as coisas, as acções, os acontecimentos e as relações, o que quer dizer, segundo Damásio, que aqueles precedem as palavras e as frases na experiência diária de cada um de nós. Tudo isto para nos relembrarmos do que Paul Ricoeur afirmou acerca da pré-estrutura narrativa que governa a própria vida quotidiana.

Como nos diz Damásio:

“Contar histórias precede a linguagem... a construção inteira do conhecimento, desde o simples ao complexo, desde a imagética e não verbal até ao verbal e literário, depende a capacidade de cartografar aquilo que acontece ao longo do tempo”.

Mas se nós cartografarmos com outra mais valia aquilo que possui um elevado conteúdo emocional? Neste caso, a descriminação escancarada no Nobel da Literatura?

Será esse facto que nos vai ajudar no processo da nossa aprendizagem durante a vida, porque iremos recordar esse facto com muita maior consciência? Será que a consciência começa por um sentimento? Será que ao sentir o outro de mim mesmo adquiro uma maior consciência de mim? A este propósito não esqueçamos a máxima pessoana Sentir, sinta quem lê!, pois tal como Ricoeur o concebe, um texto significa uma abertura para o texto como um outro meu, como um meu diferente, como um texto que pode dizer algo que não sei, algo que não conheço e até algo que me incomode e desconcerte. Tudo fica preso ao meu imaginário e a alteridade confunde-se comigo mesmo.

O texto abre um mundo de indagações, inquietações e respostas para o leitor e isso tem que ver, como afirma Damásio com a “ideia que cada um de nós elabora de si mesmo”, com “a criação da pessoa que nós imaginamos ser a cada momento “com “ as memórias dos cenários que concebemos como desejos, anseios, metas e obrigações...” e que “exercem uma influência sobre o si de cada momento”.

Note-se que em 114 anos apenas 14 mulheres receberam o prémio. Neste caso, cada expectadora feminina vai poder rever-se no espelho da heroína e re-avaliar-se, re-interpretar-se enquanto mulher!

Este filme é mais um brilhante exemplo de Cineterapia.

Além de Glenn Close, o filme é estrelado por Jonathan Pryce e Christian Slater. Björn Runge dirige a produção, baseada no romance homônimo de Meg Wolitzer.