Que tudo pesado se torne leve, todo corpo,
dançarino, e todo espírito, pássaro.

(Nietzsche, «Assim Falou Zaratustra»)

Dance with me é um projeto concebido em Zurique, com a paixão pessoal de explorar a vida, compreender as emoções, nosso comportamento, através do movimento expressivo que é uma arte poderosa na transformação dos nossos corpos físico, psíquico e moral espiritual. Neste programa, eu saio do papel de professora de dança e passo a atuar como facilitadora, ou aquela que Inspira a Aspirar, eu e os dançarinos, aprendizes, discípulos, educandos (menos aluno que significa sem luz) alternamos papeis. Quem é o dançarino?

Dissolvemo-nos em experimentos, interagindo uns com outros?

Com o método descobri a liberdade do ser autêntico e o poder de demonstrar como vivo, sinto, penso e busco. Ensinar é demonstrar, Ensinar é aprender a ser. Neste espaço de movimento (dance with me) não demonstro passos de dança, inspiro o praticante a dançar suas palavras, suas dores, amores. Sua Força, sua fragilidade. Sua luz sua sombra. Sua dança.

Quando expressamos com a palavra, na construção de um texto, por exemplo, temos um pouco mais de tempo, tempo de impressionar, elaborar e manipular, se for o caso. Porém com a dança consciente só há um tempo; o momento presente com suas imperfeições, insanidade, incoerências, belezas e autenticidade. O julgamento não sobrevive ao estado de Presença. A Presença, por sua vez, nos ajuda a ajustar a vibração dos corpos, da personalidade a padrões emanados da alma, necessário para unificação do ser.

Por quê? Quando estamos totalmente focalizados no aqui e agora, EU e o OUTRO se dissolvem em um. Não há preferencias no campo energético, pois tudo vibra como pontos de luz. A proposta é se render às resistências dos corpos, contidas no físico, do ego, contidas nas emoções, pensamentos e vozes da mente que dizem: você está errado, não é suficiente, não fez bem, está feio, não é verdadeiro, não sabe dançar. A sombra se apresenta com este tipo de energia. Sombria, Insegura, amedrontadora por vezes.

Existem recursos para interromper ou transformar aspectos negativos sombrios da experiência, que avançam em direção à manifestação. As práticas de purificação são eficazes. A dança é uma delas. A dança lança luz e elimina a sombra. Isto porque o movimento, a forma no espaço, e os ritmos da alma movem, produz e ou neutralizam campos de energias. Os elementos da Dança, os elementos da natureza conspiram para a evolução, ou despertar da consciência, que culmina na Presença.

Desde pequena danço, dancei profissionalmente e me tornei coreógrafa. Fui da geração que estudou Martha Graham, José Limón, Laban, Mercê Cunningham, Rolf Gelewisky. Amamos Pina Baush, Maurice Bejart, Win Wandekeibus e Jiry William.

Estudei a forma, ensinei ballet clássico me identifiquei com a dança moderna e o experimentalismo das universidades de arte. Tive uma carreira bonita e cheia de glamour. Porém, desde muito jovem, me sentia inquieta e precisava saber mais sobre expansão da consciência, meditação e técnicas de curas e espiritualidade. Com esta temática me rodeando, e a paixão pela dança, certamente tive que escolher qual caminho trilhar. Escolhi definitivamente ha 15 anos atrás, a dança como medicina.

A função da medicina é propiciar a cura, esta advém da integração da vontade humana na vontade do eu interior. Em outras palavras, da união da forma com os padrões do seu arquétipo. (Arquétipo e Corpo). A dança como forma de libertar o ser das críticas e julgamentos. A função da dança como medicina é prover, portanto, condições favoráveis para a ação da força de vida universal, ela exerce verdadeiro trabalho de cura assim como o alimento, água e ar fornecem materiais para esta mesma força reparar os tecidos do corpo e regenerar as células.

A dança consciente que aproxima as pessoas, que expressa à essência da verdade, daquilo que a atenção plena ao momento presente favorece. O indivíduo é o canal da manifestação, sua consciência o regente da dança. A consciência não existe por si só, ela é fruto da interação de duas polaridades, o poder da energia criadora e a receptividade da matriz universal.

Fui à procura de mestres, coaches, professores espirituais, participei de retiros intensivos, me perguntando: como curamos?

Para a cura efetuar-se é preciso fé e intenção de transformar-se, pois ela não depende exclusivamente de agentes materiais. A cura do corpo físico, do emocional ou do mental , quando verdadeira, decorre da cura interior. A cura aproxima a criatura da face sagrada.

E por que os processos mentais podem nos desassociar e nos roubar do instante presente.

Esse roubo energético, contudo, me fascinou por muito tempo, como posso estar viva e presente, se os meus pensamentos me desviam da experiência em si? A dança consciente é uma ferramenta potente para desarmar muros de proteção, e fazer fluir seres empacados na mente racional.

Quando a razão adquire o controle dos movimentos, a mente concreta não pode unir-se a mente abstrata, nem reconhecer os padrões arquetípicos que deveriam ser expressos. Hoje reconheço nos meus discípulos, dançarinos, as personalidades que já adentram nas aulas livres, sem filtros e sem necessidade de controlar o processo. Vejo todos os dias pessoas descongelarem as armaduras. No terceiro corpo (grupo), a nossa união em torno da mesma meta e sua atividade ritmada durante certo tempo cria no plano subjetivo uma entidade de cura.

Quando Zaratustra desceu de sua montanha, encontrou com um velho homem que pensou: 'Sim, reconheço Zaratustra. Puro é seu olhar, e sua boca não esconde nenhum nojo. Não caminha ele como um dançarino?'

(Nietzsche, «Assim Falou Zaratustra»).

É muito gratificante ver a entrega das pessoas, purificando seus corpos mentes, almas criando laços, buscando autoconhecer, co-criando, experimentando com a qualidade mental de perceptor, explorando ritmos, parcerias, conversas corporais, virando criança, se sentindo mais feminino ou masculino, ou se fortalecendo com a força da ancestralidade. Seria isto que se refere Joseph Campbell follow your bliss.

Quanto tempo leva para a Dança nos ajudar a transcender?

Transcendência é um processo pelo qual ocorrem mudanças, ou resultados destas mudanças. São as fases da transformação, a purificação, a sublimação, que diz respeito ao processo de refinamento da substância dos corpos levado adiante pelos núcleos internos da consciência, para então a transmutação acontecer. Contudo, a dança consciente, o movimento é capaz de abreviar todo o processo.

O tempo é o de resistência para soltar o EGO, reconhece-lo, mas ter a liberdade de não se identificar com ele. Submetê-lo a voz do coração, sob a égide da Lei da entrega. Como disse Karl Jung: o que você resiste persiste.

O caminho é explorar a dança na mente, a conversa com nossa mente é a conversa com o mundo. Na mente dançante os pensamentos são fluidos e aceitos à impermanência de tudo. O que permanece é apenas a mudança. Muda dança Dança.

Meus discípulos, durante as práticas, dizem coisas como, não consegui me sintonizar, não fui um líder suficiente bom, não escutei o outro, prefiro guiar que ser guiado. Mostro a eles, essa dança criativa com a mente e como se libertar dessa voz que nos rouba a presença e a vitalidade. Vivemos condicionados por medos, ideias, padrões, e comportamentos, é preciso mesmo alguma loucura pra sair por aí dançando. Dancem dancem se não estaremos perdidos! Disse-nos Pina Bauch.

Dedico-me a facilitar workshops inspirando pessoas a explorar possibilidades de estar presente, e escutar o corpo que sussurra. A dança consciente, meditativa, xamanica, nos coloca em sincronia com os ritmos da natureza, ou pelo menos abre as portas de novas percepções que é a escuta do campo que vibra. Detectamos os estados energéticos repercutidos sobre nossos sentidos percebidos como ondas de energia que podem vir como aroma, som, cor, formas. Tudo que é manifestado, todo universo é vibração. O tipo, a intensidade, a qualidade e o tom de uma vibração detectada, dão indícios acerca de sua fonte.

O processo de expansão compõe-se de um gradual afinamento de vibrações.

Passamos a agir pelo impulso e forças que mostram aonde ir, o que falar e escolher. Os impulsos ocorrem porque nos deixamos permear pelas vibrações de níveis abstratos e toda relação de Movimento e comunicação com a natureza e o universo. Possuímos viver holográfico. Não me refiro a uma atitude sem razão, e sim a uma clareza de quem somos, onde estamos e qual é a nossa fonte de integridade força e amor. Conexão. A ciência do criar. Quando eu danço entro em contato com minha capacidade de mudar de formas, como os gatos (shape shifting), se tudo é movimento minhas emoções vão e vem e me ancoro na prática.

“Não estou apenas dançando, estou fazendo vibrar frequências de luz nas minhas células. Não estou apenas dançando, estou acessando outro espaço tempo indiviso total, não estou apenas dançando. Estou acessando outros níveis do ser, do pensar sem pensamento. Não estou apenas dançando, estou reconstruindo o elo de união com a terra, o fogo, a água, o ar, não estou apenas dançando, estou despertando o pássaro da alma e como única oração, o Voo.”

Descobri muitas coisas, entre elas, que minha vulnerabilidade dança e me ajuda a reconhecer minha coragem e força, não preciso mais esconder minhas sombras, pois dancei com todas elas. Sei que sou exagerada e louca e ao mesmo tempo, sou séria e consequente, sou mãe irmã amiga, sei que sou mulher e criança, sei que posso voar bem alto ou virar árvore. O mundo do movimento é muito rico de sentido e significado, é cheio de paisagens emocionais, mas, muito sábio por que mostra o silencio e quietude da contemplação. Ser Tudo e Nada.

A inteligência corporal é um dom que possibilita transitar em mundos paralelos, em dimensões, onde ocorre o desdobramento de um nível de consciência a outro. As diferentes frequências vibratórias de cada nível que se apresenta. Aprendi na prática quando é preciso lutar, ou ceder, amar ou dar limites, aproximar ou separar. Aprendi a escutar meu corpo, minha intuição, seguir meu ritmo, crias meus símbolos sagrados pessoais e ritos de passagem.

No estado só mental não escutamos as informações que vem de outros lugares do corpo e do espaço como dos sonhos, da meditação, da intuição e coração. Mudem de lugar, escolham outra perspectiva, arrisquem, saiam da rotina, chorem, cantem, diga eu te amo, aprenda a ler o vocabulário energético. A comunicação da vida. Dançar, em vez de dormir, caminhar, caminhar e limpar os pensamentos, correr, parar e silenciar. Escutar sem repetir padrões. Fazer tudo diferente, e sentir o que acontece com seu corpo emoção e fluxo. Atentem-se as sensações e o modo como se movimenta na vida. Pare, escute o silencio. Dentro, onde tudo é paz, terreno de Cocriação. Desista de você. Se entregue e a Dança. Desista de projetar seus desejos e filmes no outro. Introspecte seja espaço som luz ritmo. Frequências de vibrações elevadas. Faça sua alma dançar. Dançar para cocriar, Dançar para unir, dançar para curar, dançar para celebrar.

Como gosto de escutar o espaço e o que não é dito, vejo nos gestos algo que nos assemelha, vejo nossos medos e muita vontade de acertar, vejo nos círculos mais sábios a insegurança da criança interior, vejo a criança interior negligenciada em quase todos. Salvemos a alegria, a pureza e a fantasia! Nossa criança interna precisa ser reconhecida, amada e honrada. Ela é o princípio do buscador.

Vejo expressões ausentes, os pensamentos atrapalhando mas, vejo também o momento que algo mágico acontece, o tempo suspende, o ar se modifica, o olhar suaviza e tudo cai em equilíbrio. É o flow ou “Zona”. O fluxo da força-de-vida em beleza e harmonia. É um processo de conquista fluir com o fluxo, do pensar sem pensamento e dançar o coração. Vejo movimentos harmônicos e outra linguagem que domina a conversa, algo transcendental. Não achamos palavras. Uma viagem que dura o tempo necessário para se construir um corpo cheio de vitalidade e poder.

Um corpo com centros de energias pulsantes, em movimento, em cor, em vibração, em consonância com o presente e a doação. Um corpo alinhado com o centro da terra e o centro do universo. Forças em oposição, porém em equilíbrio. Um corpo desperto e solidário para fazer o que tem que ser feito. Ao voltar, não sabemos explicar o que aconteceu, mas nos sentimos inteiros e completos. Isso pode durar uma sessão ou mesmos dias, porém se praticamos com consistência acabamos fortalecendo os músculos espirituais.

Desenvolvemos a fé, a luz, o amor, o perdão, a compaixão, a fraternidade e então experimentamos as leis naturais na prática. Fortalecer significando, nos tornar mestres de nossa energia, das nossas escolhas, caindo por tempo mais curto, em sombras e medos. Passamos a reconhecê-los, mas com o poder de não nos identificarmos e modifica-las em força e luz. Ensino aos meus discípulos praticantes e dançarinos a terem intimidade com o medo, dançar com esta forma de energia que entra em nossos corpos, aprisionando o poder do voo e nos congela.

Inevitavelmente o que tememos é o que iremos atrair. Mas se abrimos espaço para curar o medo ele se torna esperança para nossas células.

Congelados, petrificados ou na inercia, quem poderá nos resgatar? O Poder da Criação. O movimento, a dança, a expressão e a coragem de ser verdade.

Zaratustra diz sim à vida porque aprendeu a dançar. O que isso significa? Dançar para praticar, dançar para compreender, dançar para curar, dançar para mover a inércia, dançar para perdoar, dançar para amar, dançar para desanuviar, dançar para esvaziar, dançar para partilhar, dançar para evoluir.

Não podemos ficar na metáfora para sempre (ou será que podemos?). No mundo dialético, o livre arbítrio permite escolher. O mundo tem um ritmo, a existência possui uma cadência que podemos codificar apreender, sentir. Uma cadência de infinitas possibilidades. Não estamos falando da cadência monótona dos ponteiros do relógio. “O dançarino tem o ouvido – nos dedos dos pés!”. O mundo se move em uma cadência singular em cada ponto, somos parte deste ritmo, o sentimos em cada célula, nos colocamos em harmonia ou desarmonia com ele. Dançamos a Vida! Movimento para a vida!