Não, este texto não é acerca da épica composição de Ennio Morricone para o macarrônico western que consagrou Clint Eastwood como o bom moço. É, sim, sobre algumas matrizes do estilo musical que desovaram em tantos gêneros, fazendo da história do rock uma deliciosa saga dissonante. Tudo, obviamente, sob uma ótica muito particular.

A história do rock é uma crônica musicada. E está dividida em três importantes e complementares partes: o blues, o rock psicodélico e o punk – ou o bom, o mau e o feio, para fazer justiça aos estereótipos.

Primeiramente, vem lá o avô do rock: o velho blues, o bom. O blues, como o conhecemos hoje, nos deu o ar da sua graça em meados do século XIX, advindo das músicas das igrejas, os spirituals, entoadas como contrição pelos negros do sul dos Estados Unidos. E esta contrição era característica fundamental do estilo emotivo, por isso ganhou o nome de blues – o que significa em inglês, numa tradução livre, tristeza. Esses hinos cantados pelos negros, nas igrejas protestantes, ganharam nova roupagem, deixando de ter aquela empáfia litúrgica e ganhando contornos informais: surgia um novo meio de louvor. Ao órgão – até então único e altivo instrumento a levar as congregações à adoração – juntaram as cordas e, mais tarde, a batida e os metais. Vieram as palmas e os shakes dos grandes corais. Nascia o blues. Dos altares às rádios. Das rádios às vitrolas, e daí por diante a influenciar os ritmos dos violões inspirados por Son House, Charley Patton, Robert Johnson, Muddy Waters e John Lee Hooker.

O bom

O blues era como um velho lamurioso, mas sábio, de olhos cansados. Sentava no banco e acendia um cigarro, e em meio às baforadas, gesticulava as histórias tristes. Consigo trazia a aura romântica e nostálgica daqueles dias amarelos e empoeirados. Esse velho conta como influenciou a juventude de topete e camisa engomada com um orgulho discreto. Conta como, de origem humilde, deu as mãos para o country e juntos tiveram o primeiro filho: o Rhythm and Blues, o famoso R&B. O filho pródigo, dono de um espírito inquieto pela mistura da qual nascera, alcançou um público multirracial e foi considerado o padrinho do que se chamou, à entrada da década de 50, de Rock and Roll. Chuck Berry que o diga.

Com a guitarra elétrica se popularizando, os ritmos ganharam uma natural agressividade, os compassos ficaram mais apressados e as batidas acompanhavam toda a animação. O estilo rompeu as fronteiras da música, chegando aos costumes, à moda, à linguagem e às atitudes. Transformou-se em cultura. Chegava a era Rock’n Roll. E avançou pelos caminhos do tempo com ousadia, criando vários subgêneros, entre eles o famoso Rockabilly e o folk a contar as novas histórias. Eram os descendentes daquele velho bondoso. Era o tom da trupe que compreendia o famoso Million Dollar Quartet, um encontro para uma jam session entre Elvis Presley, Carl Perkins, Jerry Lee Lewis e Johnny Cash – um grupo de ouro, numa época de ouro do rock.

Já no final dos anos 50 e começo dos anos 60, a geração entendeu o poder da música para influenciar diretamente a sociedade. Começou a era dos protestos, as músicas com temáticas políticas a fim de fazer voz aos muitos movimentos culturais, ou contra-culturais. Entre os mais famosos estão o movimento dos Direitos Civis, abocanhando diversos artistas em prol da causa, e o movimento beat – uma introdução à era hippie e à criação de comunidades contra o sistema. Tais movimentos deram origem a outros e, como esperado, tinham seus hinos.

O mau

No final dos anos 60 iniciava-se outra era na história do rock. Aqui o estilo se assemelha à típica figura pseudointelectual, meio arrogante, mas amigável. Daqueles que têm um espírito naturalmente questionador e uma trágica mania de desafiar qualquer sistema ou autoridade. Adepto do purismo na expressão e criatividade, ele é aquele que mais gerou conflito dentro da história da música: o rock psicodélico, o mau.

Este gênero do rock fez barulho para ser ouvido. Foi a voz do movimento hippie e a ele está intrinsecamente ligado. Pregava a liberdade – e por liberdade entenda-se todo o ato livre da criminalização e preconceito – como o uso de drogas e o sexo livre. Era o mau sujeito, a má influência. Um tormento para as autoridades e uma injúria para o que a sociedade considerava ser de bom costume. O estilo surgiu na Inglaterra, mas logo conquistou o território americano e a juventude chamada transviada. Os temas da música psicodélica acenavam a um conceito artístico, propunham uma nova forma de fazer arte em todas as vertentes. Exploravam as imagens, as cores e a pureza dos sons – as harmonias experimentais com longos solos de guitarra. Um som propositadamente longo para estimular a reflexão, ou seja, a viagem.

Muitas bandas são consideradas psicodélicas - 13th Floor Elevators, The Jimi Hendrix Experience e Jefferson Airplane. No Brasil, destaque para Os Mutantes. Outras tiveram fases psicodélicas como Pink Floyd, The Beatles, The Beach Boys, The Mamas & the Papas e Grateful Dead.

O estilo gerou seus próprios subgêneros, o mais famoso dos quais é o rock progressivo, que tomou emprestadas as técnicas sonoras, mas combinando recursos mais elaborados e, sobretudo, distanciando-se do movimento hippie. É o caso dos Genesis, Pink Floyd, Jethro Tull e Supertramp. Este gênero, que antes era de vanguarda, foi vítima do tempo e passou a ser considerado pretensioso, com um som exagerado, cansativo, quase interminável, com confusas experimentações.

O feio

Foi, então que, em meados da década de 70, apareceu o estilo que resgataria a simplicidade e a característica mais agressiva do rock. Chegou à cena musical aquele cara simples, mas inconformada e anarquista: o punk-rock, o feio.

Feio, mas inteligente, talvez muito determinado em expressar o que achava que estava errado na sociedade. Abriu novamente as portas para a revolução – característica inerente ao punk-rock. Tomou emprestado o ímpeto revolucionário das gerações passadas, mas desta vez as letras, em geral, tinham uma temática mais social. Por isso o punk-rock é tido como a voz social na música. Deu mais destaque à letra e não tanto à melodia, que corria sempre nos acordes básicos. Não estava ligado à técnica e era ruidoso. A forma anarquista como se manifestava era uma atribuição direta ao estilo. Para fazer justiça à atmosfera de protesto, suas performances eram geralmente extremas, com músicas aceleradas. Seus mais famosos expoentes são The Clash, Ramones e Sex Pistols. Como todo o ponto marcante da saga da música, o punk-rock também criou subgêneros. Veio o hardcore punk, pegando emprestado a violência musical e atitude agressiva.

Mas as pessoas se cansaram de tanta revolta e revolução, ficando tais estilos um pouco jogados a canto na indústria musical. Era preciso renovar. A música precisava de uma nova onda e chegou, literalmente, a new wave. Com reminiscências do hardcore, porém mais tranquilo, acenando para a pop music e ramificando-se em outros estilos como o glam rock. Nomes como Elvis Costello, Duran Duran, The Police e Talk Talk faziam as vezes deste gênero musical que abusava dos sintetizadores e dos teclados. Funcionou até o dia em que o punk resolveu voltar.

Para quem cresceu nos anos 80, a trilha sonora que acompanhou a década é, talvez, o fator mais marcante dessa geração, ao lado dos brinquedos épicos, da moda questionável e dos filmes memoráveis. Mas a música, particularmente, imortalizou um sentimento chamado nostalgia oitentista. É aí que entra o pós-punk, estilo que imperou entre os anos de 1980 e 1984.

As características do estilo carregavam a veia mais sombria do seu pai, o punk. Só que agora o tom era mais relaxado e descontraído, flirtando com o dance music. Joy Division, Siouxsie & the Banshees, Psychedelic Furs, Echo & the Bunnymen e Killing Joke marcaram época. O estilo pregava, sobretudo, a simplicidade – em contrapartida aos avanços tecnológicos que a música absorvia cada vez mais, o que fez nascer o rock eletrônico com influência da cena musical alemã. New Order é considerado um dos precursores deste estilo. Depois de uma breve sesta, o rock reaparece no começo dos anos 90, vestindo camisa xadrez.