Admirando a cidade do topo da colina do castelo de São Jorge, o olhar do viajante seiscentista detinha-se, inevitavelmente, sobre o leito do Tejo. Nas suas águas, embarcações de porte e tonelagem diversa enchiam de cor e vida a zona ribeirinha da cidade. Naus, galeões, fragatas, caravelas, navetas e pequenos botes descarregavam no cais gentes, produtos e preciosidades provenientes de terras longínquas. No porto, como nas ruas, lojas, oficinas e mercados, uma polifonia de vozes testemunhava o encontro com mundos extraordinários e com uma natureza extravagante. A cada chegada das naus da Carreira da Índia a população acorria curiosa a assistir a um verdadeiro espectáculo. Para além das valiosas encomendas régias ‒ como pedras preciosas, sedas, pérolas, âmbar, bezoares ou gaiolas com animais exóticos ‒ eram desembarcados sacos com especiaria, potes de grés contendo drogas, frascos de conservas, caixas com sementes e vasos com plantas.

Frutas deliciosas, plantas venenosas, folhas com poderes mágicos, raízes com propriedades miraculosas, produtos com insondáveis qualidades terapêuticas trouxeram à velha Europa novos sabores e aromas que, para além da possibilidade de surpreender os paladares mais exigentes debelavam os males mais persistentes. Usados nos quotidianos longínquos, muitos produtos tropicais passaram a ser enviados de forma contínua através das naus da Carreira da Índia para ser vendidos em Lisboa.

A diversidade de origens dos produtos oferecidos pelos mercados da cidade atestava a convivência multicultural das gentes desta capital imperial. A par dos figos, uvas, cidras e limões também os cocos, bananas e laranjas da China eram vendidos nas praças alfacinhas.

Nas bancas do Mercado da Ribeira, os alimentos dispunham-se de forma ordenada. Para além das cabanas de madeira destinadas ao negócio do sal, encontravam-se aquelas onde se vendia caça, animais de criação e ovos. Protegidas por guarda-sóis quadrangulares seguiam-se as bancas das vendedeiras de peixe, das escamadeiras e das salgadeiras de sardinha. Logo ao lado, encontravam-se as da fruta verde e seca proveniente, em grande parte, dos pomares dos arredores da cidade. Nas bancas de hortaliça, as mulheres apregoavam as couves, segurelha, alfaces, nabos cenouras, acelgas, abóboras, beldroegas, cebolas, bredos e salsas. Neste mercado também se vendiam passas, figos, queijos do Alentejo e das Flandres, assim como tâmaras, arroz, mel e manteiga. Por fim, passados os fornos de pão e as bancas das padeiras, já perto do rio, surgiam os espaços destinados à venda do marisco. Uma enorme profusão de lagostas, caranguejos, ostras, camarões e amêijoas e outros crustáceos era anunciada à clientela com sonoros pregões. A frescura dos artigos à venda nesta praça era assegurada pela apertada fiscalização conduzida pelos provedores da saúde.

Para além deste mercado de frescos, por toda a cidade se mercadejavam outros produtos: dos pastéis e confeitos das pastelarias do Chiado, à venda ambulante de doces, legumes cozidos, mariscos e laranjas da China ou de flores à porta da igreja da Misericórdia, Lisboa oferecia ao visitante uma enorme diversidade de artigos.

A abundância de mel, açúcar, ovos, leite, natas, pinhões e amêndoas permitiu o aparecimento de uma doçaria conventual variada e refinada. Nos numerosos conventos da cidade, as religiosas diversificavam a oferta de doces e confeitos tão apreciados pela população. O doce açúcar foi também usado na preparação de frutas cristalizadas ou em calda, assim como em geleias, compotas ou marmeladas. Para além das ginjas, romãs, laranjas, limões, pêssegos e alperces eram usuais os preparados com peras e marmelos em conservas doces ou salgadas.

À medida que o século XVII ia avançando, os portugueses foram permitindo a introdução de algumas novidades vegetais americanas na sua dieta. O milho-maiz, a batata, a batata-doce e o tomate, apesar de entrarem de forma gradual, trouxeram novos sabores às cozinhas lisboetas.

Nas mesas mais abastadas, as especiarias orientais condimentavam os pratos e deliciavam os convivas. Nos livros de cozinha, para além das vulgares salsa, coentro, hortelã e cebolas, uma grande maioria das receitas não prescindia do sal, pimentas, cravinho, noz-moscada, cardamomos e gengibre assim como de outros condimentos mais requintados, como o açafrão, a canela ou o tão apreciado caril. Mas também outros produtos mais valiosos podiam ser usados na preparação de iguarias como o cacau, o almíscar, o âmbar ou os pós de aljôfar, de coral, de ouro ou de pedra de bezoar.

Nesta opulenta Lisboa, onde se acotovelavam gentes de todas as nações do mundo e se cruzavam os mais diversos usos e costumes, a novidade fervilhava nas ruas, nos mercados, nas mesas e nas boticas. Acolhendo as práticas e costumes de outras gentes, o povo de Lisboa deu testemunho de uma singular capacidade de abraçar e divulgar as tradições, os aromas e os paladares próprios de outras culturas.