O ciclo e o reciclo. Espiral e circular. São memórias, regressos e a ideia de um eterno retorno. Até onde? Até ao passado, à experiência infiltrada em nós. A noção de progressão faz estremecer as bases de qualquer que seja a vivência. A humanidade estendida por alguma coisa que é material e imaterial, numa dimensão do mito e do sonho. A moda faz-se e refaz-se, cria-se e reinventa-se a cada vez que temos que inventar cada um de nós. A comunicação entre o criador, ou a marca, ou a indústria (sim, políticas industriais no universo criativo e pitoresco da moda) e os consumidores é textual, é verbal, é discursiva e é construída consoante a tradução da realidade que é preciso ser representada.

O hoje - este hoje que é tão longínquo como o amanhã - esvai-se e dilui-se como o sangue das nossas veias. As incertezas do que hoje foi em todos os tempos e em todos os lugares fazem-nos desejar o crepitar da lareira da nossa avó enquanto bebericamos a cevada quentinha dissolvida pela arte de mexer a colher de pau. Ah, as doces memórias. Quão certeiras e estáveis são elas para os nossos corações? Tão certeiras e estáveis quanto o são para a moda. Certo é que a moda, sendo um fenómeno social, cultural e humano, é dinamizada pelas nossas visões, questões e inseguranças. É cíclica porque é vivida em tempos diferentes e reinterpretada por pessoas diferentes. Como a guerra. Não é cíclica? Os discursos também. Ainda que sejam adaptados e revistos, as situações são inúmeras vezes idênticas. Vejam-se as palavras de Martin Luther King, ou a esperança de João Paulo II. São hoje discursos usados e firmemente ajustados ao que hoje precisamos de declarar.

Pelas incertezas, pelos terramotos sociais e humanos a que temos assistido, as catástrofes emocionais que atemorizam o mais descrente dos mortais, as revivências as tornadas são o cantinho da memória que mais nos compraz. O que reaviva um cheiro, uma sensação e um som que ameniza a alma é símbolo de estabilidade, de coerência e de solidez. O que alguma vez foi bom será bom novamente. As marcas de moda percebem e apostam nesta espiral, ou círculo, de regresso. Já dizem os outros, em época de desesperança: família, Fátima e futebol. Era mau, mas agora é pior. E ao menos conhecemos o passado: Já por lá andamos, sabemos o chão que pisamos! Pode não ser o melhor, mas é certamente o mais seguro. Temos o retro, temos o vintage, temos o em segunda mão, temos os 50’s e os 60’s e os 70’s e os ‘s todos. Foram bons e agora ainda serão melhores. Porque agora já vivemos e revivemos. Agora sabemos aproveitar o melhor que foi feito no passado. Comer a fruta sem o caroço. E beber a cevada instantânea perto de uma lareira aquecida a pellets com uma manta em cima dos joelhos. Não é a mesma coisa, e até pode ser melhor. As cevadas instantâneas até podem ter chocolate e muita espuma, os pellets aquecem mais depressa e as mantas podem ser polares! O xaile da avó reinventado: o ato reconstruído através de novos olhos, com novas opções e através das facilidades conferidas pela inovação e pelo desenvolvimento.

A mensagem que é relevante passar, que importa realmente transmitir pelas marcas de moda, é que devemos criar as nossas próprias memórias. Devemos experienciar e traduzir as nossas sensações e contar tudo aos que vêm. Contar histórias e construir mitos nos quais nós mesmos somos os protagonistas. É seguro voltar ao passado, ameniza o mais negro dos pesadelos por saber que aquela marca, aquela marca específica, tem aquelas camisas aos quadradinhos com a qual caíamos no recreio mas não havia nada que a rasgasse. Vamos lá voltar. Se era bom para mim será bom para os meus. Ora que bem. Mas o retorno não pode ser em espiral, nem circular. As memórias devem ser recriadas, não podemos cair num sem fim de saudosismo que impede o progresso. A arte de apostar nas tecnologias de inovação articuladas com os saberes antigos e artesanais é o desafio que se coloca à moda. O xaile da avó através dos olhos do neto.