Houve tempos em que a moda era definida como uma manifestação artística moldada em tom de expressão, de postura, de crítica. A moda era reflexo da introspeção individual e discurso coletivo. Cada um de nós se agarrava às cadeiras e segurava um lugar para assistir a uma atuação emotiva e complexa onde o protagonista era o pensamento, a técnica e a inovação. Quando Gabrielle Chanel veste um par de calças a uma mulher, nos anos vinte; ou, na década de sessenta, quando Mary Quant cria a minissaia; ou com Vivienne Westwood a dar voz ao público marginalizado dos subúrbios londrinos: todos nós agarrados ao nosso lugar, numa primeira fila de megafone na mão. A moda falava, exprimia rancores e desassossegos, movia barreiras e fortalecia fragilidades. E agora?

Em Março de 2015 a analista de tendências Li Edelkoort publica o seu manifesto "Anti-Fashion” revelando, através desta publicação, os motivos da sua descrença na indústria atual da moda. Neste texto, Edelkoort afirma que a moda seguiu o caminho errado e está, hoje, em processo de eminente implosão. O que em tempos se caraterizava como um fenómeno de previsão e reação tornou-se alheio aos contextos e às especificidades dos tempos. A indústria da moda é hoje um espaço que negligencia o ‘quem’, o ‘onde’ e o ‘quando’. Talvez se tenha perdido este cuidado, esta preocupação, ao longo de um tempo que está em permanente encolhimento. Não existe espaço para tanto e para tudo. Para a moda, para a roupa, para a coletividade e para a individualidade, para a crítica e para a estética. Mas não será esta simbiose, harmonicamente natural, que define a moda? O que é a moda senão um processo de conjugação de vozes que de um ‘alguém’ passa a ser de vários ‘alguéns’? Atualmente, o alheamento social, a incúria cultural e a desatenção pela humanidade desta indústria colocam a moda num plano obsoleto.

Numa época que revela uma secura extrema pela emoção, pelo afeto, pela individualidade dentro da coletividade, a moda coloca-se de parte. Produz divas e starlets que não refletem as preocupações e as tensões dos dias de hoje. Uma forma de expressão passou a ser uma produção meramente mercantilista. Respostas rápidas e vazias, que não prendem ninguém às cadeiras do espetáculo. Não há borboletas na barriga nem esperança que alguém dê um grito e manifeste a indignação ou faça uma vénia. A moda perdeu-se no trilho do tempo. Perdeu-se nas expetativas que se criaram sobre ela. Perdeu-se num sistema que não se reciclou. O que resta? O que podemos esperar agora? Esperemos por pessoas. Pessoas que se manifestam através de peças de roupa que são pensadas, moldadas e lançadas com o propósito de ‘conversar’ com a sociedade. Pessoas que criem debates e levantem dúvidas. A indústria, o mercado, o sistema da moda sofre de autofagismo. A cultura da moda está a tornar-se oca pois a velocidade com que as peças são consumidas e repostas não deixam espaço ao desejo e à falta de valoração. Não se apreciam as peças como afirmações. As marcas despersonalizam-se por obedecer a padrões ciclicamente iguais. Porquê? Nunca foi esse o propósito de uma manifestação artística. Nunca foi esse o propósito de uma forma de expressão.

A moda deixou de se preocupar com pessoas e passou a preocupar-se com mercados e capitais. Despersonalizou-se. Hoje, o mundo é visto de uma forma particular e, simultaneamente, global. Os espaços e os tempos estão a ficar cada vez mais próximos e a mover-se a velocidades mais elevadas. Porém, esperemos que a apreciação, a experiência, a voz e a vida existam a partir de peças de roupa, como manifestações físicas e claras de uma postura e de uma identidade. A moda deixou de ter esse poder. Perdeu-se no trilho do tempo.