Deparar-se com enormes recipientes recobertos de ícones de reciclagem em lojas de roupa, especialmente nas de alta vendagem como as fast-fashion, tem-se tornado cena cada vez mais comum nos cinco continentes. Normalmente, são oferecidos descontos em troca da doação das suas roupas e lingeries usadas, para que estas sejam encaminhadas à reciclagem em lugares longínquos. Parece um ótimo negócio, não é? Você libera espaço no armário e consegue o pretexto ideal para comprar aquela peça nova que estava paquerando. Outras lojas optam por destacar o seu viés “verde” anunciando o uso de tecidos orgânicos ou de baixo impacto, bem como expondo em suas peças o selo internacional Fairtrade (comércio justo). Parece que todo este mercado está se mobilizando em nome da sustentabilidade e temos a sensação de que está tudo sob controle. Porém, o processo produtivo da moda é extremamente emaranhado e repleto de desdobramentos perversos. Apesar da moda sustentável desenhar-se como uma megatendência para o futuro (e ainda bem), é de extrema importância saber o que é realmente sustentável e o que é apenas estratégia de marketing. Isso é o que aprendi sobre a realidade, as inovações e as limitações tecnológicas do mundo fashion através de leituras, documentários e frequentando workshops sobre moda consciente.

  1. A reciclagem de tecidos é um processo extremamente complexo, sem muitas alternativas, onde o produto final sempre é inferior ao inicial. Ou seja, algodão reciclado não vira algodão novo – vira um produto têxtil que nem sempre pode ser usado para a confecção de roupas. Além disso nem todos os tecidos são passíveis de serem reciclados. Portanto, essa história de consciência ecológica fast-fashion em troca de desconto é a maior furada. Suas roupas provavelmente irão terminar numa espécie de lixão em algum lugar da Índia e, no máximo, virarão um cobertor de qualidade duvidosa, sem jamais voltar a circular no mercado da moda.
  2. Fibras naturais como o algodão, linho e cânhamo são de fato renováveis, mas isso não quer dizer que sua regeneração seja tão rápida quanto a velocidade em que são extraídas da natureza. Ademais, é importante ressaltar que, ainda que sejam produtos naturais, o cultivo destas matérias-primas consome uma enorme quantidade de recursos, como a água, e são responsáveis pela utilização de agrotóxicos em proporções abismais (o algodão, isoladamente, é responsável por 16% do uso de inseticidas no mundo – mais do que qualquer outro cultivo existente).
  3. É verdade que hoje em dia existem fibras têxteis sintéticas derivadas de polímeros naturais. O liocel, por exemplo, é uma fibra de celulose regenerada, considerada de baixo impacto, e vem sendo utilizado em larga escala inclusive por marcas de fast-fashion. No entanto, a esmagadora maioria destas fibras biodegradáveis só se decompõem de fato em condições muito específicas de temperatura e luz, e depositadas num lixão comum produzem altíssimos níveis de gás metano, um dos grandes responsáveis pelo efeito estufa.
  4. Em 2005 foi criado o selo Fairtrade com o intuito de garantir aos agricultores um preço mínimo pelo algodão-caroço e recompensar seus esforços ao investir no desenvolvimento social, econômico e ambiental da sua comunidade. No entanto, a mera existência dessa certificação demonstra que o sistema produtivo e comercial que temos hoje está completamente fora dos limites. Quando os designers já não sabem quem produz a roupa que criam fica evidente que determinados elos da cadeia de fornecimento foram perdidos e, neste sentido, o selo é uma tentativa de manter a produção industrial em limites seguros. No entanto, a enorme aceitação do selo no mercado ultrapassou, em muitos casos, a capacidade de fornecimento destes agricultores, o que só prova que os níveis de produção se encontram em patamares realmente inaceitáveis.
  5. Qualquer solução a curto, médio e longo prazo passa necessariamente pela desaceleração vertiginosa do consumo e, consequentemente, da produção. Utilizando mais uma vez o algodão como parâmetro, pois se trata da fibra mais utilizada em escala global, o rendimento da cotonicultura orgânica só consegue chegar a 60% da convencional. Por outro lado, muitas das questões que cercam o uso da tecnologia transgênica, que garante a produção em larga escala, continuam sem resposta, tanto quanto a sua segurança quanto à eficácia para reduzir efetivamente a utilização de substâncias químicas nos cultivos. Há uma evidente carência de pesquisas científicas independentes (não patrocinadas por empresas biotecnológicas com algum tipo de benefício no setor) e abundam relatos assustadores sobre as consequências da utilização dos pesticidas em comunidades que subsistem do cultivo de fibras têxteis em diversas partes do globo. Diante desta realidade, tudo indica que não há futuro viável para a moda que não passe por uma abordagem mais generosa com as roupas e tecidos que já temos, para que tenham uma vida útil a mais prolongada possível, e por uma tomada de consciência do processo produtivo como um todo, que nos permita resgatar os laços de respeito pela natureza e por outros seres humanos que trabalham nesta cadeia produtiva.