Existe um quadro, em casa da minha mãe, que retrata uma figura arcaica, sorridente, com nariz de judeu e eu , um dia, ainda adolescente, perguntei:

— Quem é este?
— É o teu trisavô!
— Posso pegar?

E assim que a minha mãe anuiu com a cabeça, peguei no quadro, revirei-o, à procura de um bilhete secreto ou outra coisa misteriosa...e, de facto, na parte detrás do quadro rezava assim: Esboceto-caricatura- O Chalet-Pombal do Correligionário.

Isto, ninguém sabe e uma outra copisa que o quadro revela é que ele tocava e por isso o que ficou na memória era a alegria e o afecto que ele tinha pelas pessoas que iam ao seu quiosque comprar tabaco e jornais!

Uma das obras na qual Arnaldo Leite nos traça o perfil da cidade do Porto e narra alguns acontecimentos e figuras marcantes de outros tempos é o Porto 1900. E uma dessas figuras é o meu trisavô, mais conhecido pelo Sebastião do Quiosque ou O Correligionário, pois era assim que o meu trisavô se dirigia aos seus clientes de jornais no seu quiosque da Praça Nova, agora Praça da Liberdade!

O grosso dos seus clientes era constituido por jornalistas, médicos, professores, escritores e artistas, frequentadores dos cafés e restaurantes daquele tempo e seus vizinhos. Ele era a figura mais conhecida da Praça!

A minha mãe contava-me sempre aquele episódio em que o meu trisavô aluga um burro para competir com o dono de uma Tabacaria da Praça, para os jornais chegarem primeiro ao seu quiosque...isto para dizer que informação é poder e o Sebastião era o canal principal da Invicta, na altura...

Também foi um testemunho da revolta republicana de 31 de janeiro de 1891!

Lembrado no Tripeiro e relembrado por vários jornalistas como Alberto Pimentel e Germano Silva..., o meu trisavô fazia parte da Associação de jornalista e homens de letras do Porto; um deles pintou este quadro, que tão bem o retrata!

O quadro que o meu bisavô materno guardava religiosamente no quarto secreto e que só confiou à neta, minha mãe, que nesse tempo ouvia deliciada as histórias que ele tinha para contar...

Segundo a minha mãe, Sebastião era uma pessoa com alma de poeta, que adorava o jardim da sua casa na Rua do Almada, e por amar as flores baptizou as suas 3 filhas de Rosa, Violeta e Orquídea.

Já o seu filho, Alfredo Magalhães, o meu bisavô, o contador de histórias, tinha alma de político mas continuou a fazer pulsar a vida do quiosque da praça até 1927, altura em que a Câmara o retirou do local. O meu bisavô passeava na Baixa da Invicta com a sua bengala de castão de prata, que, ainda hoje, decora uma das paredes da casa da minha mãe!

Quando faleceu, foi encontrado no bolso do seu casaco, o cartão da Maçonaria, cartão esse que foi tema de uma comunicação num Congresso do Ateneu Comercial do Porto, nos anos 80.