Esse é um tema que já abordei diversas vezes no meu blog China na minha vida, mas nunca deixa de ser um tema atual e pertinente para quem mora no exterior e, em especial na China. Além de que os meses de junho/julho e novembro/dezembro são os picos dessas experiências.

Estou falando das Festas de Despedidas ou Farewell Party. Das perdas e ganhos de se morar fora… Costumo dizer que vivemos por estações aqui. Sendo que a primavera e o outono são as mais lindas, mas, em alguns anos, as mais tristes por conta das pessoas queridas que vão embora.

Como funciona

A maioria dos expatriados na China, já vem com um contrato pré-definido pela empresa que os enviou para cá. Diferente dos outros países, a China não é lugar para se arriscar, para vir com visto de turista e depois ver o que acontece, procurar um emprego por aqui. Ser ilegal aqui é um problema muito maior que na Europa e Américas (mas isso é um outro assunto… só precisava situar meu leitor no cenário do estrangeiro na China). Claro que os contratos podem ser estendidos ou encurtados, mas existe o vínculo com aquela empresa. A mudança de empresa também é possível, sendo que o proceso começa de novo e a pessoa tem que sair e voltar ao país, para conseguir novo visto de residente.

E o que isso tem haver com encontros e despedidas?

Tudo! Primeiro porque são poucos os estrangeiros que ficam aqui por muitos anos, que quase têm residência fixa na China (a China não dá cidadania a ninguém, são raríssimos os casos que isso aconteceu). E segundo que, com esse tráfego constante de chegadas e partidas, qual é a consequência? Quem chega um dia vai partir e quem partiu foi porque um dia chegou! Desculpem o trocadilho, mas é essa é a realidade nua e crua!

E é aí que a tristeza nos pega!

Estamos no outro lado do mundo (principalmente os latino americanos), num lugar de cultura e hábitos completamente diferentes do nosso país. Por isso a comunidade estrangeira, e dentro desse universo as comunidades individuais de cada país, é tão unida. As pessoas se agregam, se ajudam e acabam formando uma família chinesa, encontrando irmãos de caminhada e muitos, mas muitos amigos inesquecíveis. Já vi coisas acontecerem aqui entre os estrangeiros, de ajuda num momento difícil, de socorrer num hospital, que tenho certeza que a própria família provavelmente não fizesse isso pela pessoa no seu país. Chamo isso de laços de cumplicidade.

Sabemos que aqui não existe a nossa familia formal, pai, mãe, aquela tia que faz bolos para o café da tarde, os primos, avós. Nossos amigos de infância, aqueles que sabem mais da nossa vida do que nós mesmos, também não poderão nos ajudar in loco. O que nos resta? Os novos amigos que a expatriação acabou colocando no nosso caminho.

E aí que está o fio invísivel que, inconscientemente, nos guia. Se alguém está passando por alguma situação dificil, nos prontificamos e precisamos ajudar. Amanhã talvez seja eu, nunca se sabe, e vou precisar da mão estendida desse novo amigo. Na minha visão, é isso que acaba entrelaçando as relações de quem mora no exterior.

Essa é a parte boa. Sinceramente, hoje tenho amigos que não consigo imaginar nunca mais fora da minha vida. São os presentes que a China me deu. A compensação por ter deixado meu país, meus familiares, meus amigos queridos. E esse novo círculo de pessoas, essa família escolhida é que nos segura, nos ampara e nos motiva a aguentar os trancos que à vezes levamos ao escolher viver abroad.

Dentre todas as pessoas que conhecemos e que, ao menos no meu caso, são muitas, claro que vão ter aquelas que a conexão acontece instantânea, que depois do primeiro encontro, já são especiais. Há outras que não é tão simples assim, mas que com o passar do tempo acabam se tornando mais íntimas e realmente se tranformam em membros dessa família escolhida. Também há aquelas que a conexão existe por outras situações, acabam que não são tão próximas no dia a dia, mas o vinculo é forte e a gente sabe que se a corda estourar, pode chamar que vão te acudir ou emprestar o ombro para chorar.

Mas também tem as que conhecemos, e só. Os conhecidos que temos em qualquer lugar que vivemos. Vale lembrar que, não é porque algum brasileiro (por exemplo) conheceu outro brasileiro, é que estes viraram instantâneamente amigos de infância pelo fato de terem a mesma nacionalidade, certo?

E chegou a hora de partir…

Agora imaginem aquela pessoa, casal, família, que a conexão foi perfeita, que há a empatia e o sentimento de família, que contamos toda nossa vida, choramos no ombro um do outro. No caso das famílias, que todos se dão super bem, desde as crianças até os cachorros (RS).

Um belo dia, recebemos a notícia que eles vão embora. Alguns voltam para seu país de origem, outros vão para outro lugar nesse enorme mundo pequeno.

A notícia cai com um pedaço de chumbo nos nossos pés. Nos paralisa. E lá se vai nossa tão famosa quase zona de conforto (já falei dela outras vezes e sabemos que para quem vive fora do país ela é muito frágil), muitas vezes se perde o chão.

E na hora das tais Farewell Party, compramos presentes que vão tentar materializar nossa presença na vida do outro, fazemos festas, tiramos fotos. Mas a tristeza é grande, e a marca indelével no coração ficará para sempre. Esse sim, é o maior presente que o outro leva de nós e guardamos do amigo que está seguindo sua jornada.

Uma das coisas (das centenas delas) importantes que aprendi ao viver abroad é que não podemos, não devemos, é sofrimento demais, ter somente um melhor amigo. Quanto mais exclusivo você for, maior será seu sofrimento nessa hora.

Mas nem tudo é tristeza…

Claro que não! A tristeza é da perda. É mais um luto que teremos que vencer!

Mas procuramos lembrar que nosso amigo, aquela família, está indo para um outro desafio. Na maioria das vezes para uma situação profissional melhor, uma nova posição, um novo horizonte se abrindo. E isso nos deixa felizes, já que sempre queremos para os que amamos o melhor, as melhores conquistas. Além do que, um dia será a nossa vez de partir! E a roda continuará a girar.

Na teoria isso é perfeito! E não é que não exista esse sentimento, mas o ser humano tem uma tendência de maximizar o sofrimento, e muitos entram em desespero. Os que ficam, achando que à partir daquele momento estarão sozinhos para sempre e os que vão, pensando que jamais vão encontrar outros amigos tão especiais como esses que deixou.

Mas o fato é que nessa hora de sentimentos contraditórios, de sofrimento pela perda, esquecemos que quando resolvemos sair do nosso país, também não tinhamos nenhum amigo de infância no nosso destino e essa tal de família escolhida era uma coisa impossível de acontecer. Então, se conseguimos uma vez, claro que vamos conseguir de novo!

Como sempre digo, não é uma tarefa fácil sair da zona de conforto, vencer a tristeza de uma perda, viver um luto. Mas com certeza superamos isso. E seremos mais fortes. Acho que esse é o maior ganho que a vida de expatriado nos oferece. Viver intensamente os bons momentos e crescer como pessoa, ser mais forte.

Mas os amigos de verdade…

Há esses ficarão para a vida mesmo! Podemos até perder o contato diário, mas serão eternos.

Eu vivi um momento assim há alguns anos atrás, com uma família amiga que mudou para os EUA. Hoje realmente não falamos com a frequência que gostaria, mas não há um dia na minha vida que não lembre deles por algum motivo, não comente com alguém sobre o que vivemos, das aventuras em Chang Chun, do laço que criámos com o filho deles que vimos crescer. E tenho certeza que quando nos encontramos em algum momento dessa vida, será com se fosse ontem o último dia que nos vimos. É o laço invisível que citei no início do texto. E foi minha primeira grande perda pontual (mas também o ganho incondicional!).

E hoje, graças à Deus, tenho outros que estão nessa lista de amigos para a vida! E isso não tem preço. São pessoas muito queridas que a vida nos deu de presente. São os companheiros de jornada. Pessoas que compartilharam conosco momentos especiais e para sempre estarão no nosso coração.

E isso, só o poeta pode descrever.

Nunca pensei que a música que tanto amava quando era adolescente, fã incondicional de Milton Nascimento, fosse fazer tanto sentido na minha vida adulta como essa letra faz hoje. Foi ela que deu o título a esse artigo, é ela que lembramos a cada despedida…

É com ela que recebemos cada um que chega nessa estação. E com ela nos emocionamos ao lembrar de chegadas e partidas dessa nossa vida de estrangeiro!

E para quem não conhece, deixo a letra aqui. Depois de ler, se alguém tiver alguma dúvida sobre os sentimentos descritos nesse texto, acho que ficará mais simples entender.

Encontros e Despedidas

Mande notícias do mundo de lá, diz quem fica
Me dê um abraço venha me apertar, tô chegando…
Coisa que gosto é poder partir sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar quando quero…
Todos os dias é um vai-e-vem, a vida se repete na estação
Tem gente que chega prá ficar, tem gente que vai prá nunca mais...
Tem gente que vem e quer voltar, tem gente que vai, e quer ficar
Tem gente que veio só olhar, tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir…
São só dois lados da mesma viagem
O trem que chega é o mesmo trem da partida…
A hora do encontro é também, despedida
A plataforma dessa estação é a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida…