O crescimento do monolinguismo nas organizações multilaterais põe efetivamente em causa a democracia nas relações internacionais. Na verdade, podemos falar de falta de democracia quando é negado, a alguns, o direito fundamental de se informarem, negociarem, defenderem as suas posições na sua língua, ou na língua de comunicação internacional que dominam melhor. Consideramos que os direitos linguísticos são, portanto, direitos individuais e direitos coletivos exatamente na mesma proporção, podendo ser garantidos por decisões e ações políticas que devem contemplar esse seu duplo caráter.

Falamos de falta de democracia quando os cidadãos não podem informar-se devidamente sobre os debates que lhes dizem respeito. Ao recorrerem a uma única língua de comunicação, estas organizações arriscam-se a alargar ainda mais o fosso que já existe entre elas e os cidadãos, perdendo assim eficácia e pertinência. Ainda que se admita que uma língua transporta nela uma visão do mundo, o uso de uma língua única constitui um obstáculo à experiência da diversidade das culturas e restringe o acesso dos cidadãos às informações que lhes dizem respeito. O respeito pelo multilinguismo constitui uma defesa contra o pensamento único.

Falamos de falta de democracia quando o pensamento único se sobrepõe à diversidade das abordagens e dos conteúdos. Pois cada língua – e constato esta evidência perante linguistas proeminentes – veicula uma visão particular do mundo e tem a sua perspetiva da realidade. Logo, o monolinguismo nas organizações internacionais cria um verdadeiro «défice», e não apenas a nível de participação, mas também de perspetivas e ideias. Uma única língua para um único modo de pensamento, para um único tipo de soluções, com um único tipo de instrumentos.... É muito menos trabalhoso optar pela via da facilidade, sob o pretexto da operacionalidade, poupança e eficácia aumentadas. Nos grandes encontros multilaterais, independentemente de haver tradução ou não, as ideias já foram concertadas, debatidas e decididas sob a hegemonia do inglês, considerando-se que é mais fácil para todos falar o «globish», que constitui assim um fenómeno cultural. Além disso, a nossa latinidade esforça-se por falar inglês, certamente por snobismo, aliás, frequentemente de maneira aproximativa, como se fosse uma panaceia falar outra língua que não a nativa.

Além disso, verificamos que um movimento globalista se impôs com um único modelo de sociedade, não havendo espaço para a variedade. A nossa juventude é formatada da mesma forma, nos mesmos tipos de escolas. Os jovens formam-se em métodos «business», «management», «MBA» ... com terminologia estrangeira à latinidade. Nada teria contra isso, não fosse pelo facto de se tornar única, hegemónica e o modo de pensamento se resumir à evidência de que a globalização é dominada economicamente pelos Estados Unidos. Será necessário adotar uma abordagem não filosófica, mas muito pragmática – diria mesmo anglo-saxónica – com a missão de longo prazo de inverter a tendência. A ideia da diversidade deve ressurgir ainda mais forte pois, quando se ressalva que o dinamismo que acompanha essa diversidade é gerador de riqueza, avivam-se os ânimos e abrem-se as mentes. Temos de ser otimistas, mesmo que seja necessário tanto tempo para chegar à retoma, quanto tempo levou chegar à deterioração.

O respeito pelo regime linguístico das organizações internacionais é uma exigência para chegar a uma participação e contribuição igualitárias da parte de todos, nos debates multilaterais e na aprovação de textos e normas que terão repercussões importantes na vida dos indivíduos. A diversidade cultural, torna-se igualmente uma condição para uma mundialização equitativa, solidária e pacífica. E também é necessário a criação de um instrumento jurídico internacional que enfatizasse a importância da diversidade cultural e a necessidade de promover e proteger as indústrias culturais.

Para internacionalizar a língua portuguesa é importante saber internacionalizar a sua gestão, e fazer uma coordenação diplomática da sua negociação global, reconhecendo a oportunidade de pensá-la e tratá-la como língua policentral. Com uma política da língua bem definida, o português torna-se o nosso veículo privilegiado para o estabelecimento de relações económicas e culturais no cenário mundial.

No fundo, temos de retomar uma visão geopolítica da latinidade, que deve desempenhar uma função harmonizante no equilíbrio internacional. Recordemos as palavras de Victor Hugo: «A utopia hoje, realidade amanhã.».