Falar sobre as questões do desenvolvimento tornou-se uma tarefa essencial ultimamente, e radicalmente filosófica, pois o conceito/palavra desenvolvimento é ao mesmo tempo imperceptível e inquestionável. Imperceptível, pois atravessa nosso cotidiano por todas as dimensões de vidas humanas e não humanas (política, econômica, social, ambiental e cultural), e inquestionável, pois se tornou tão naturalizado e normalizado que soprar uma dúvida sobre o desenvolvimento lembra questionar a existência de um ente soberano.

Mas afinal, o que é o desenvolvimento? Não é imperceptível, os remédios psiquiátricos, os hospitais, as igrejas, a natureza e as populações vulneráveis não deixam enganar, e nem inquestionável, os outros modos de existir questionam essa palavra que no vocabulário deles nem existem, pois viver é algo bem diferente, e a face desse tal desenvolvimento geralmente possui a imagem do fim do mundo, da violência e da perda dos seus territórios.

E qual preço pagamos por crer tão cegamente nesse tal desenvolvimento? Em carne viva, pagamos com a vida. O humano paga com a vida. Os bichos, a terra, o ar, a água, as plantas. Tudo que é vivo paga com a vida. Os filmes apocalípticos e cyberpunk são cada vez mais reais.

A sociedade moderna que conhecemos, que talvez será a última, se baseia na crença do desenvolvimento para se manter algo, desesperadamente escolhe qualquer meio para se permanecer algo existente, e tem no mito do desenvolvimento suas estruturas de fundamento. Quem não quer ser reconhecido como desenvolvido? Meu bairro, minha cidade, meu Estado, meu País. Lutamos para ser desenvolvidos. Não é isso? Mas, será que é isso mesmo, ou estamos acreditando em invenções e delírios que aceitamos sem questionar. Vá por ali, faça isso, construa aquilo que é o certo. Será?

Meu objetivo aqui não é domesticar ninguém, deixo isso para aqueles que possuem esse desejo sádico e se triunfam com isso. Meu objetivo é simplesmente abrir o espaço para dúvida. Duvidar do quase inquestionável e soberano conceito desenvolvimento. Pois, a maioria que está aqui nasceu num período pós-reflexão sobre o desenvolvimento sustentável, e hoje temos muitas outras palavras que ressoam como sobrenomes do desenvolvimento. Mas, o sobrenome nunca é o nome, mas sim só uma ideia de origem do nome, que pode ser mudada, mas o nome sempre continua o nome. Então, convido vocês a duvidarem do nome. Do desenvolvimento.

A ideia da sustentabilidade, e nesses caminhos outras ideias surgiram, não resolveram o problema central, o fim do mundo, e essa imagem ultimamente está cada vez mais presente nos estudos dos mais pessimistas e, mais ainda, dos mais otimistas.

Em fevereiro de 2019, defendi minha tese intitulada “Este é o nosso corpo, a terra: caminhos e palavras Avá Guarani/Ñandeva para além do fim do mundo”, pesquisa que teve como ponto central duas questões: pensar com os Avá Guarani/Ñandeva o que é desenvolvimento e como os Avá Guarani/Ñandeva lidam com a presença histórica da invenção branca de desenvolvimento.

Questões que produziram uma pesquisa que, antes de tudo, cortou a palavra desenvolvimento de todo texto, pois como disse um Guarani: para nós é envolvimento e não desenvolvimento, a diferença começa nesse ponto, como dois rios que caminham ao contrário. Explicitando uma organização epistemológica que por si só questiona e indaga a ideia de desenvolvimento, e também apresenta os Guarani como uma sociedade própria, simétrica à sociedade moderna, pois ambas são sociedades, mas que caminham por caminhos contrários.

Uma pesquisa que ponto a ponto apresenta uma realidade onde a ideia de desenvolvimento como conhecemos, a invenção branca de desenvolvimento, não é absoluta e nem inquestionável, mas que está historicamente presente nos planos e projetos de Estado e privados que espoliaram e sequestraram os territórios dos Guarani, e com isso muitas outras coisas: vidas, almas, espíritos e riquezas.

Mas, que a partir de estratégias e táticas históricas eles conseguiram atravessar a invenção branca de desenvolvimento, e ainda, até o presente, permanecem quem são, os Guarani, Avá Guarani/Ñandeva e Kaiowá/Pai`Tavyterã. Pois, como poucos sabem, os territórios onde os Guarani sempre viveram foram palco de muitos projetos e planos de desenvolvimento, como a Guerra do Paraguai, a Cia Matte Laranjeira, a Colônia Agrícola Nacional de Dourados e hoje a expansão do agronegócio.

Pesquisa que aponta e descreve uma série de motivos que coloca os Guarani como guardiões das palavras, que podem ensinar à sociedade moderna, do desenvolvimento, a pensar e fazer para além do fim do mundo.

Que o primeiro movimento está em duvidar do desenvolvimento, para poder escutar e enxergar as fissuras da ideia desenvolvimento, que produz escombros e violências como realidade. Estas que podem ser sentidas por cima e por debaixo das nossas peles. A vida passou e o que deixei foi uma trilha sem meus passos, pois persegui algo que não existia.