[Interior do Kremlin, dia]
Estamos de novo na sala que contém aquela compridíssima mesa de reuniões. Putin está de novo reunido com Lavrov, O Ministro Dos Negócios Estrangeiros e Serguei Shoigu, Ministro da Defesa. Putin está numa ponta da mesa e os outros na outra.

Putin: Portanto, se for a um desses países que aceitam a jurisdição do Tribunal Internacional Penal...

Ele fica à espera que os seus interlocutores acabem a frase, mas estes não têm coragem.

Putin: Digam, o que é que me acontece?
Lavrov: Nada.
Serguei: Nadinha. Ninguém teria coragem de o prender.
Putin: (Grita) Como é que deixaram que isto acontecesse! Eu, um criminoso de guerra? O que é que eu fiz para merecer isto? O que é que eu fiz, digam?
Lavrov: Nada.
Serguei: Nadinha.
Putin: Foi aquilo em Bucha, não foi? Aquele massacre de civis ucranianos.
Lavrov: E a deportação das crianças ucranianas para que sejam educadas a odiar os pais e a Ucrânia em geral…
Serguei: E também pelo bombardeamento de…
Putin: Silêncio!

Silêncio. Putin levanta-se e começa a caminhar em redor da mesa. Lavrov e Serguei encolhem-se quando Putin passa por detrás deles. Ele para. Lavrov e Serguei ficam nervosos.

Putin: Viram os óscares?
Lavrov: Quem?
Serguei: (Mente) Vi, grande Czar.
Putin: E o que é que achaste?

Serguei não sabe o que responder, pois não viu os óscares.

Serguei: Achei… mal…?
Putin: Péssimo! Então o Navalny ganhou o óscar? Como é que permitiram isso?
Lavrov: Ah, esses óscares! Vi, claro, não podia perder. Vejo sempre. Mas não gostei do filme que ganhou. Não percebi nada daquilo. Isso do multiverso sempre me fez confusão.
Serguei: O Navalny ganhou um óscar?
Lavrov: Um documentário sobre ele. Obviamente que se tratou dum ato de agressão à mãe Rússia.
Serguei: Bombardeie-se os óscares.
Lavrov: Acho que já é tempo do Navalny cair acidentalmente dum terceiro andar.
Putin: Temos de ser mais imaginativos. Envenenar já está muito batido, cair de andares de hotéis é simplesmente ridículo, já o disse. Têm outras sugestões?
Lavrov: Morrer tuberculoso na cadeia. É demorado, mas é eficaz. E tem uma carga nostálgica que muitos russos apreciam. Faz lembrar os tempos de Stalin.
Putin: (Nostálgico) Ah, os tempos de Stalin. Já vos disse que acho a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética…
Lavrov e Serguei: (Em uníssono) … a maior tragédia do século XX.
Putin: E foi…

Putin retoma a sua caminhada em volta da mesa.

Putin: Se eu for à Alemanha, o que é que me acontece? Acham que os alemães cumprem o mandado de captura do TPI?
Serguei: Nem se atrevem! Bombardeamos logo aquilo tudo.
Putin: E há bombas suficientes?

Serguei não responde.

Lavrov: O Medvedev‎ tem razão. Se um país qualquer se atrever a deter o nosso Czar, vai ser o mesmo que declarar guerra à Rússia.
Putin: Tenho saudades da Alemanha. Fui muito feliz lá. Ah, que saudades do velho KGB. Make USSR great again.
Serguei: (A Lavrov, baixinho) O que é que ele disse?
Putin: Como é que está o plano para reeleger o Trump nos Estados Unidos?
Lavrov: De vento em popa! Vão detê-lo em Nova Iorque e está tudo pronto para o retratar como uma vítima do sistema. Já contratamos o publicitário do Mandela para delinear a campanha.
Putin: E na África do Sul? O que é que acontece se for à África do Sul?
Lavrov: Vai ser recebido ao mais alto nível, como de costume. O convite foi deles.
Putin: Então não vou. E a Portugal, o que é que acontece se quiser ir passar férias ao Algarve, como fazia antigamente?

Lavrov e Serguei entreolham-se, preocupados.

Lavrov: Portugal é complicado. Têm uma Marinha poderosíssima. 3 barcos operacionais…
Serguei: Mas há marinheiros que se recusam a agir contra a mãe Rússia. Estão dispostos a fazer motins só para não cumprirem ordens nazis de vigiar os nossos submarinos.
Lavrov: Os nossos amigos do PCP nunca nos deixam ficar mal.
Putin: Passei um fim de semana inesquecível em Baleizão, com o meu amigo Jerónimo. Eu disfarçado de turista finlandês…

Putin carrega no botão do intercomunicador.

Voz (off): Sim, meu czar?
Putin: Apetece-me sopa de cação para o almoço.

Putin larga o intercomunicador e respira fundo.

Putin: Criminoso de guerra… Eu, um criminoso de guerra… Serguei, manda bombardear Kiev.
Serguei: Sim, grande Czar.

Putin volta a pressionar o intercomunicador.

Voz (off): Sim, meu czar?
Putin: Não se esqueçam dos coentros…